quarta-feira, 22 de março de 2023

PEÇO SILÊNCIO

AGORA me deixem tranquilo.

Agora se acostumem sem mim.

Eu vou cerrar os meus olhos.

Somente quero cinco coisas,

cinco raízes preferidas.

Uma é o amor sem fim.

A segunda é ver o outono.

Não posso ser sem que as folhas

voem e voltem à terra.

O terceiro é o grave inverno,

a chuva que amei, a carícia

de fogo no frio silvestre.

Em quarto lugar o verão

redondo como uma melancia.

A quinta coisa são teus olhos,

Matilde minha, bem-amada,

não quero dormir sem teus olhos,

não quero ser sem que me olhes:

eu mudo a primavera

para que me sigas olhando.

Amigos, isso é quanto quero.

É quase nada e quase tudo.

Agora se querem, podem ir.

Vivi tanto que um dia

terão de por força me esquecer,

apagando-me do quadro negro:

Meu coração foi interminável.

Porém, por que peço silêncio

não creiam que vou morrer:

passa comigo o contrário:

sucede que vou viver.

Sucede que sou e que sigo.

Não será, pois lá bem dentro

de mim crescerão cereais,

primeiro os grãos que rompem

a terra para ver a luz,

porém, a mãe-terra é escura:

e dentro de mim sou escuro:

sou como um poço em cujas águas

a noite deixa suas estrelas

e segue sozinha pelo campo.

Sucede que tanto vivi

que quero viver outro tanto.

Nunca me senti tão sonoro,

nunca tive tantos beijos.

Agora, como sempre, é cedo.

Voa a luz com suas abelhas.

Me deixem só com o dia.

Peço licença para nascer.

Pablo Neruda



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