quarta-feira, 22 de março de 2023

“BEM NASCIDA”

Minhas lembranças desta manhã, resgataram do fundo de meu baú de memórias, uma imagem que me fascinou à época e ainda seria capaz de me fascinar no tocante a beleza e ao mesmo tempo a dor que me invadiu e que na época não fui capaz de compreender exatamente, como uma simples visão poderia afetar fisicamente, uma apenas menina de 13 anos que adentrava no mais luxuoso hotel das cercanias alpinas do Rio de Janeiro, para tão somente, exercitar uma tal de etiqueta, tão necessária às jovens “bem nascidas” da época.

Pois é, em meio aos dourados dos adornos, a grandeza dos cristais que ornavam os tetos e paredes, o esquadrinhar de pisos incrivelmente limpos e belos como até então jamais havia visto, lá estava no meio de um enorme salão uma gigantesca gaiola dourada, repleta de aves, como se troféus fossem aos olhos dos elegantes hospedes.


Soltei minha mão de tia Hilda e caminhei até próximo as grades da prisão da vida, percebendo que  seus cantos eram tristes, bem diferentes dos que havia escutado até então, nos campos de Guapimirim, precisando sentar-me logo em seguida, pois, em instantes, senti um enorme aperto no peito que se refletiu em  minhas costas, chamando naturalmente a atenção de minha tia, sempre zelosa com o meu bem -estar, imediatamente fazendo sinal a um funcionário para que trouxesse uma água fresca para eu tomar, supondo ser algum mal estar próprio das “quase mocinhas”, como se dizia na época em que as meninas estavam para menstruar.

Não eram os hormônios e sim a estupefação diante da visão assustadora, provavelmente a primeira que mesmo sem compreender mais amplamente as razões, me fez constatar o que o ser humano era capaz de fazer com os bichinhos para o seu bel prazer.

Realmente, em 1962, aprendi a reconhecer talheres e taças, a vestir-me adequadamente para cada ocasião, mas também a testemunhar o quanto o ser humano podia  ser capaz da leviandade, sem qualquer maior consideração com a natureza, fazendo dela, apenas adorno, para seus olhos egocêntricos.

Ontem, consolei minha filha, que sofria muito, pois, sua cadelinha Lilica, precisou ser internada, afinal, são 12 anos de amizade íntima e amorosa.

Neste momento, ouvindo os meus pássaros livres, voando de uma árvore à outra, rodopiando nos espaços abertos, numa exibição gigantesca do que é ser livre, penso no quanto, realmente fui uma jovem “bem nascida”, afinal, em cada oportunidade em usufruir o poderio humano, fui surpreendida com o gigantismo da naturalidade da apenas vida que, até o momento, faz de mim uma apaixonada, tola talvez, por estar sempre fora do sistema, mas assim como os pássaros, só sou capaz de cantar, se livre eu estiver, amparada pelo sopro da consciência de Deus, sempre presente, mantendo em mim a consciência maior do sentido exato do que seja, “bem nascida.”

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