O dia nasceu nublado levando-me a desejar que mais tarde, uma leve chuvinha, chegue como uma bênção para as flores e frutos que me parecem sedentos.
Volto a olhar através da janela e sinto uma vontade imensa em ir lá fora, sentir mais de perto as brisas, na esperança de poder também me refrescar com suas deliciosas aragens.
Qual nada, tudo paradinho, nem uma só folhinha estremece, um só galho dança, parecendo que neste amanhecer, pelo menos por estas bandas de minha adorável Itaparica, a vida ainda repousa.
Penso então, na minha incapacidade em abrir mão de tudo quanto, elegi como ideal, percebendo e vivenciando na carne, a solidão por não ceder as investidas sorrateiras que presentes a cada momento, são incansáveis, tentando minar a construção de minhas condutas éticas que me foram árduas, conservar até o momento.
Percebo de forma impiedosa, o quanto a cada dia, esta minha resistência tem me custado em perdas de todos os níveis e ainda assim, permaneço inabalavelmente mais forte e consequentemente mais segura, lamentando sinceramente que o simples fato de não ceder, seja no que for que contrarie um certo senso comum, cada vez mais forte e assustadoramente apodrecido, afaste pessoas queridas, que como mangas carnudas e gostosas eu tenha me acostumado a degustar.
Questiono-me quanto, ao fato de estar errada, afinal, parece-me que tudo mudou, menos eu ou será que fui eu que lentamente, temi as mudanças e fechei-me nos redutos de minhas convicções, não abrindo espaço para também surfar nas águas de um sistema, totalmente poluído com os dejetos das inconsequentes vaidades?
Indago se também eu não gostaria de poder usufruir das benécias, velhas conhecidas e degustadas que as hipocrisias travestidas de progresso evolutivo, modernismo e o escambau oferecem e é claro, que preciso admitir que sim, mas também não me permito esquecer, o quanto me senti violentada, quando, em certa ocasião de minha vida, cedi aos encantos do “não estou nem aí.”
Eu sempre estive aí, porque minha consciência foi moldada para sê-lo e violentar a minha natureza, com certeza é um preço muito alto que não tenho como pagar, que não seja, adoecendo meu corpo e alma, colocando ansiedade em minha mente e destruindo a capacidade de sentir e vivenciar a vida em absoluta harmonia.
Portanto, ser fiel a mim é o único bem que possuo, garantindo-me a régua e o compasso que medem e resguardam o espaço de blindagem sem o qual, não posso me sentir existindo com qualidade.
E existir podendo sentir a vida em toda a sua completude, não é a lógica sustentadora da coerência do homem consigo e com o tudo mais?
Peço que me perdoem por ser esta pessoa ranheta, andando na contramão, só para aguar as flores que sistematicamente, estão sendo esquecidas pelos caminhos aparentemente corretos que estimulam a violência, através da manutenção da fome, da ignorância e da miséria de todos os níveis, num “não estou nem aí”, cada vez mais poderosamente destruidor de tudo quanto é belo, nobre e justo.
Regina Carvalho- 3/11/2023 - Itaparica
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