FONTE DE VIDA

O outono chegou trazendo uma chuvinha fraca por estas bandas, mas em outras, meu Deus, que devastação...

Penso então, que enquanto em meus amanheceres preocupo-me com a mudança dos aromas vindos do jardim, com o repertório dos pássaros que inegavelmente se alterou, infinitos outros, sequer terão um novo amanhecer, perdidos entre o barro e os escombros, num espetáculo dantesco que a mídia explora até a última vítima.

O volume das cataratas do Iguaçu assustou-me sobremaneira, apesar de provocar-me lágrimas de gratidão por poder estar diante dela, na pequenez de minha existência, com a mesma sensação estupefata que outrora sentira ao contemplar a pequena cachoeira de minha Guapimirim, afinal, pareceu gigantesca à aquela menina que vidrada com tanta força e beleza, estatizou-se a seus pés, recebendo com uma emoção inenarrável e inesquecível, as gotas geladas que salpicavam o corpo de uma apenas, menininha, imprimindo nele, o amor a vida de forma irretocável e definitivamente, moldando sua alma.

Força que sacia a sede, promove fecundações, alivia o calor abrasador, relaxa o corpo, mas capaz de tudo arrastar e destruir sem medidas se houver qualquer tentativa em violenta-la, levando-me a pensar no quanto à temos violado na sua transparência, riqueza e fluidez.

Iniciei minha jornada vivencial acreditando, segui como uma lúdica, tentando salvar o frescor das gotas benditas e hoje, aqui neste instante, relembrando e ao mesmo tempo constatando com a percepção doída, que afinal, nada mais fiz que utilizar-me de variadas peneiras disponíveis para reter em mim as benditas águas de minha própria vida, deixando-a escoar pelo caminho.

Escrevo e escrevo incansavelmente, peneirando meus sentimentos, minhas emoções e também o meu profundo pesar pelas águas que continuam transparentes em mim e em outros mais e ao mesmo tempo, tão turvadas nas mentes e nas almas de uma imensidão de outros que nelas, são incapazes de enxergar, suas mais preciosas fontes de vida.

Regina Carvalho-27.03.2024 Itaparica