terça-feira, 25 de outubro de 2022

Muleta...

 É..., mas tem coisa que acontece que não dá para engolir. (Pensa alto Marcos).

- Meu rapaz tudo na vida pode e deve ser digerido e em seguida defecado. Portanto, todo cuidado é pouco quando nos alimentamos. Já pensaram em sofrer de diarréia em todos os dias de suas vidas? Deve ser um horror, suar frio, ter calafrios, cólicas infernais, um total descontrole físico. Pois é assim que vivemos com nossas emoções ou sentimentos, se preferirem.
No entanto, se estamos reeducados e, portanto, equilibrados, oferecemos a nós mesmos através de nossos sentidos, em parceria com o racional consciente, o cuidado em não receber o que não nos é afim e se não for de todo possível, estaremos fortes, resistentes e, portanto, preparados para digerir sem pressa ou afobação, e deixar que nossos filamentos se encarreguem de selecionar se vale a pena aproveitar algo, ou simplesmente expulsar tudo. E nesse processo não reside cólica ou qualquer mal estar.


- Quer dizer que é o mesmo que levar um tapa e desconsiderar? (Pergunta Luciana).
- Você ainda não compreendeu o processo. Um elemento equilibrado dificilmente se verá exposto a levar um tapa. Entretanto, ninguém está livre de uma agressão, principalmente nos dias de hoje em que as pessoas estão perdendo a capacidade de argumentação sadia, mas ainda assim, você terá a opção de não revidar, e dependendo da situação, acredite, o melhor é garantir o seu equilíbrio, porque para que haja uma briga, discussão ou desentendimentos vivenciais são precisos no mínimo dois elementos.
Veja bem, não se trata em ter ou não sangue de barata e sim se vale a pena expor a si mesmo à situação. Isto não é covardia, prefiro classificar como sabedoria e amor a si mesmo, porque qualquer elemento está munido de recursos, seja de postura ou de intelecto, para brecar agressões a ponto delas não se tornarem irreversíveis. ou seja: existe um tempo entre o desejo de esbofetear e a agressão efetiva.
Aprenda, portanto, a não permitir que o ato se conclua, aproveite este espaço e imponha seu equilíbrio, pois nada minha cara é de repente, a não ser, é claro, as balas perdidas, os sequestros relâmpagos, e toda invasão criminosa que foge ao controle de qualquer elemento, seja humano ou não.
- E mesmo nesses casos, devemos encarar e tudo bem?
O senhor não acha que é forçar a barra da própria natureza humana? (Insiste Luciana, com apoio de Marcelo).
- E o que é a natureza humana, senão um reservatório onde são guardados condicionamentos. Porque não enfrentamos o desafio de limpar este reservatório, na certeza de estarmos deixando vago lugares preciosos, a serem preenchidos com mais astúcia em favor de nós mesmos.
Trecho do livro- Bebida- Muleta existencial-2005- Regina Carvalho.

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