Incrível. Quase seis e meia deste amanhecer de segunda-feira, primeiro dia de setembro. O céu se abre, mas não escuto um só passarinho. Silêncio estranho. Diferente da minha Itaparica, onde a alvorada é sempre barulhenta e cantada, aqui as aves parecem preguiçosas, adiando o voo. Nem mesmo as maritacas, minhas arruaceiras favoritas, depois dos sabiás vieram hoje cumprir o papel de despertadoras, substitutas dos pássaros do sul, sempre tão lentos a acordar.
Enquanto espero pelo primeiro canto, penso. Penso para não perder o hábito, esse exercício raro, quase clandestino, numa época em que a juventude se deixa hipnotizar pelos segundos frenéticos do TikTok e pelas ilusões instantâneas das plataformas.
E assim, recordo uma aula de filosofia. O tema: Platão. A tarefa: apresentar a visão dele. Cumpri. Mas ousei acrescentar a minha. Foi então que o professor, jovem e apressado, interrompeu-me em seco. “Nem eu, nem a turma, estamos interessados no que a senhora acha.” Ali, diante de cinquenta e dois colegas e de uma banca avaliadora, experimentei o gosto amargo da humilhação.
O coordenador interveio a meu favor, e aquele gesto deu-me o tempo precioso para recuperar a voz. Disse o que ardia em mim: pensava estar numa universidade federal para exercitar a mente, para ousar a minha própria análise crítica e não para repetir como papagaio treinado.
Foi ali que compreendi: algo se quebrava no ensino superior. E quando a raiz se quebra, o fruto apodrece. Por isso vemos profissionais frágeis a entrar no mercado, por isso sentimos a erosão da escola fundamental.
Pensar alternativas. Questionar certezas. Ir a fundo. Relacionar. Criar. Tudo isso mingua nas mãos de jovens doutores formados na pressa rasa da internet, acostumados a ler fragmentos, a decorar sem entender, a repetir achismos frágeis de influencers efémeras celebridades de pó e fumaça, que buscam fama e riqueza tão instantâneas quanto o próprio esquecimento que as engole.
E assim, neste mundo globalizado e raso, o “menos” tornou-se “mais”: menos reflexão, mais vazio. Pensadores viraram chatos. Livros densos viraram fardos. E quem começa a ler o primeiro parágrafo já o esqueceu ao chegar ao segundo.
Penso então: o que seria de Sócrates, Platão e Aristóteles se se reencarnassem agora? Que destino teriam Descartes, o “pai do pensamento moderno”, ou Kant, senhor da razão crítica? E tantos outros como Santo Agostinho, Tomás de Aquino, Maquiavel, Locke, Nietzsche, Hegel, Beauvoir, Guimarães Rosa... Teriam espaço ou seriam cancelados no primeiro minuto por ousarem pensar além do permitido?
Rapaz... a coisa está feia. E o pior é que já nos acostumámos a achar isso normal.
Regina Carvalho – 01.09.2025, Tubarão S.C
👇👇Coragem e resistência é o que se espera de um pensador da atualidade, frente a solidão que o aguarda.
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