Pois é... Imaginem vocês que estou finalmente sem sentir frio nesta deliciosa cidade, que tem de tudo, mas sem a correria e o tumulto geralmente encontrados nas cidades de médio e grande porte. Acordei lépida, sem precisar de tantos agasalhos e cobertas o que, após dois meses, é simplesmente uma delícia.
Lembro então do Rio de Janeiro dos anos sessenta, de uma Ipanema que, mais do que um bairro, era para seus moradores um principado de elegância, beleza e paz.
Porém, mesmo não entendendo bem o que isso significava, percebi ainda criança que me identificava mais com Guapimirim que, na época, representava para a minha visão infantil um verdadeiro conto de fadas. Eu era a princesa, os pássaros eram meus guardiães e as borboletas, minhas amiguinhas de peraltices.
Lá eu não precisava de sapatos de verniz nem de vestidos de cambraia bordados pelas mãos habilidosas da minha mãe. Meus cabelos longos dançavam ao sabor dos ventos, livres do dolorido rabo de cavalo. Eu podia sujar-me todinha sem o risco de levar uns petelecos.
Podia, inclusive, só de calcinha de nylon, entrar no riacho e por lá ficar sem sentir frio, sem medo algum, brincando com as piabinhas que insistiam em nadar ao meu redor, beliscando meus braços e pernas delicadamente, como se fossem beijos suaves da natureza que me acolhia sem reservas.
Enfim, ali, não muito distante do Rio de Janeiro, havia tudo de que eu necessitava. Havia principalmente o silêncio absurdamente barulhento da vida em sua naturalidade, que eu podia ouvir e entender. Se ainda fosse pouco, podia escolher perfumes diferentes ao longo de um só dia, assim como saborear variadas delícias sem pedir permissão a ninguém, bastando esticar os braços ou subir num tronco. Eu acreditava poder tudo ali.
Daí minha resistência em deixar aquele paraíso nos domingos à tarde, quando deixava para trás o melhor que a vida tinha para me oferecer.
Por isso, minhas escolhas em permanecer longe, bem longe dos movimentos artificiais da vida sempre foram espontâneas. Eu buscava resgatar, ao menos em parte, a minha Guapimirim.
Igual, nunca mais encontrei, até porque a puríssima ingenuidade já não existia em mim.
Todavia, a essência que me despertara para o belo e imutável jamais desapareceu. Pelo contrário, acrescentou a cada experiência a certeza de que a liberdade de conviver com a paz é apenas uma escolha, onde quer que eu estivesse, fazendo o que fosse.
Simples assim: um domingo de liberdade para apenas sentir o gostinho doce da paz.
Regina Carvalho – 21.09.2025 – Tubarão/SC
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