domingo, 21 de abril de 2024

BURROS N’ ÁGUA...

Quando se tem cinco, seis aninhos e se mora num prédio de quatro andares, cujo quinto é um play a céu aberto, constituído de um terraço que cobre 360 graus do entorno de si mesmo e ainda, se é a única criança do prédio, não poderia haver maior prato cheio para uma criança solitária que contemplar, desenvolvendo a curiosidade dos seus sentidos, companheiros contemplativos que tudo absorvia e armazenava.


E aí, nada escapava dos olhinhos aguçados da Regininha, desde a cópula dos cachorros, que eu não entendia do que se tratava aos pescoços dos rapazolas e senhores ditos respeitosos, virados ao ponto de se contorcerem quando uma mulher bonita passava por eles pelas calçadas, a saída e chegada das crianças das escolas, as mulheres arrastando os carrinhos de feira nas segundas e sextas, o vizinho que malhava todas as tardes e por aí vai, numa sequência de acontecimentos cotidianos em sua maioria repetitivos, portanto, não seria diferente, nos finais de semana ou férias, quando o cenário mudava, fosse na barra da tijuca, com o chapéu de palha sendo seguro em uma das mãozinhas, enquanto a outra, sem qualquer medo ou aflição catava os enormes camarões na maré baixa, fosse em Teresópolis em meio a beleza das vegetações, onde exercitei ainda mais a potencialidade da minha capacidade auditiva, tentando decifrar os sons que minha mente criativa, cria serem conversas entre as plantas e eu.

Todavia, foi aproximadamente aos 10 anos que meu fascínio pela solitude e contemplação atingiu o máximo dos meus prazeres, já que Guapimirim com seu riacho repleto de piabinhas, cachoeira e vegetação, transformou-se em meu castelo sensorial, formando dali em diante, minha mente num manancial profícuo de ideias e ideais...

Agora, neste instante, lembrando deste início de minha vida contemplativa, não é de me estranhar o quanto, precisei dar com os “burros n’águas “afim de sobreviver as implacáveis e duras realidades das savanas, repletas de feras pouco amigáveis.

Ainda hoje, as enfrento, confesso sem a mesma disposição, força e coragem, gastando a cada instante, meus recursos acumulados de compreensão, não sem lamentar a cada instante, o quanto, estou cansada, já que a cada década vivida, as feras se multiplicaram e se diversificaram numa ignorância e num apetite sem limites, quebrando qualquer lógica da cadeia alimentar.

Regina Carvalho- 25.04.2024 Itaparica.

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