Textão.
Eu já deveria saber, tentar contrariar as lembranças que minha mente aflora é pura perda de tempo, afinal, ela é teimosa, persistente e incansável. Portanto, resta-me obedecê-la, deixando que se expresse e hoje, ela destaca minha mãe, certamente a mulher mais livre que conheci por toda a minha vida e a ela oferecer minhas devidas reverências.
Hoje, depois de tantas caminhadas, impossível não registrar o fenômeno de liberdade que ela representou, se for levado em conta que nasceu em 1920, no seio de uma família de imigrantes camponeses portugueses, não tendo tido a oportunidade de muitos estudos formais, genuinamente refinada, absurdamente talentosa, inteligente e linda.
Pois é, esta mulher rompeu barreias, superou entraves e em apenas 48 anos de vida, deixou um legado de liberdade amorosa, que feminismo nenhum, até agora, foi capaz de demonstrar.
Tudo começou, quando decidiu casar com meu pai, filho de uma família inimiga e em pouco mais de um ano, o deixou, silenciosamente, levando consigo uma criança nos braços, só para que ele compreendesse que nela, só Deus, determinaria o seu destino.
A repentina separação durou poucas horas, já que de bobo, meu pai, não tinha nada. Regras foram estabelecidas e rigorosamente cumpridas, até a sua morte 30 anos depois.
Sua praia, seu direito de ir e vir sem necessariamente precisar justificar, seu controle orçamentário, assim como a primazia na educação do filho, seria de sua competência e em contra partidas, ofereceria toda a sua dedicação e respeito, no que incluía, não determinar, cobrar ou fosse lá o que fosse, o que meu pai fizesse, da porta pra fora.
E não foi que deu certo!!!
Posso ainda hoje, vê-la à beira do fogão, preparando os mais saborosos almoços, cuidadosamente, picando os legumes para a sopinha de entulho (era assim que ela chamava), que ele gostava de comer a noite ou os deliciosos caldo verdes com linguiça defumada, também impossível esquecer do pão francês recheado com bife à milanesa, que pelo menos uma vez por semana ela impunha como variante e que todos nós, comíamos e lambíamos os beiços de satisfação, sempre sentados à mesa, primorosamente, posta.
Sempre cheirosa, com seus vestidos rodados de cintura marcada, a morena faceira, fazia questão de servir os pratos de sua família e de cuidar pessoalmente, dos ternos de linho, sempre impecáveis que meu pai trajava.
Meus vestidos, ela mesma confeccionava, bordava, fazendo de mim, por todo tempo sua bonequinha, mas era ao meu irmão, que ela não poupava paparicos e elogios e eu, morria de ciúmes.
Era uma babacona dona de casa dos nos 40/50/60, casada com um belo e garboso machista assumido?
Qual nada...
Dona Hilda, mal o dia amanhecia, já estava na praia, treinando seu nado livre para a bendita competição de final de ano, numa disciplina que desconhecia cansaço e clima e muito menos, o fato de ser um esporte tipicamente masculino.
Suas tardes, eram dedicadas aos passeios pelas calçadas e lojas de Copacabana, desenhando modelitos num pequeno bloco e comprando nas lojas Gebara, os tecidos para então, reproduzi-los, afinal, sua bonequinha tinha que estar sempre impecável, passando horas na loja “Guri”, escolhendo rendinhas, fitinhas e um sem número de variados aviamentos.
Filmes e cinemas eram as suas paixões dos quais, não abria mão, assim como os programas de auditório que frequentava antes do meu nascimento, quando então, a Televisão ganhou sua atenção.
Viajar uma vez por ano, sozinha de avião do Rio de aneiro à São Paulo, só para fazer compras, afim de renovar toalhas e lençóis, japonas e materiais escolares, era seu luxo, pois, era sem dúvidas, uma perdulária, bem disfarçada.
A discreta sensualidade, transcendia nas mais naturais e simples atitudes, nos oportunos silêncios e nos constantes sorrisos...
Ainda me lembro de seus lindos e amendoados olhos negros que meu pai, dizia parecerem duas jabuticabas, brilharem de paixão, quando, sempre safado a surpreendia, apalpando sua bunda, enquanto beijava sua nuca, no que ela reagia, exclamando sorrindo;
Toma jeito, Hilton...
*Exemplificaram que tesão depende do constante carinho emocional e de pele e que liberdade para ser completa, não basta ter asas, precisa-se de responsabilidade, respeito, dedicação e amor por si e pelo tudo mais.
Regina Carvalho-10.02.2024 Itaparica
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