segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

GATINHA MANHOSA


 Dentre as minhas frustrações, que aliás, sempre me perseguiu desde os tempos da adolescência, foi o fato concreto e imutável da minha total incapacidade em ser como algumas de minhas amigas, uma dengosa gatinha manhosa.

Rapaz... Que ódio não poder desmaiar por causa do calor e ser amparada pelos lindos garotos do colégio militar, fosse nos jogos da primavera ou no ônibus, no retorno para casa sob o sol de quarenta graus.

Lá estava a Regininha sempre forte e resistente, incapaz de ser abalada, quando na realidade, tudo que eu mais desejava era ser fraquinha e dengosa, afim de que, um rapazola viesse me salvar.

Estou rindo sozinha com estas lembranças, nesta madrugada de muito calor, já podendo ouvir os pássaros a distância e o safado do sabiá se fazendo presente com o seu bom dia estrondoso, escondidinho na amoreira, dando-me a impressão que, ou ele chega muito cedo ou mora por aqui mesmo, pois é sempre o primeiro a me saudar, e eu, simplesmente, adoro.

E aí, imaginativa sem medidas, penso que de repente, se eu fosse como uma gatinha dengosa, os meus pássaros que me acompanham desde sempre, talvez não estivessem tão próximos, afinal, pela lei natural da vida, gatos comem pássaros.

Mas eu queria tanto ter sido como as gatinhas dengosas, aduladas, paparicadas e sendo consideradas frágeis e ao invés disso, tudo que eu ouvia, a começar pelo meu pai, era: “Menina valente, você vai ser uma grande mulher”.

Muitos anos depois, diante da repetição amorosa de meu pai, perguntei afrontosamente a ele:

Poxa pai, que grande mulher coisa nenhuma, qual a vantagem que eu levo nisso?

Sua resposta foi curta, mas tão pratica quanto ele:

Livre como os pássaros que você ama...

Pois é, mas ainda assim, como uma romântica incorrigível, penso neste instante, que ser uma gatinha manhosa, tem suas vantagens, afinal, existe sempre alguém querendo alisar, enquanto, uma grande mulher, só suscita admiração.

Eu queria desmaiar, suar frio e precisar ser amparada pelos lindos meninos do colégio militar que estavam presentes nos retornos da escola e nos sonhos de uma adolescente que se tornaria uma eterna gatinha enrustida, esperando ser alisada por algum rapazola, príncipe ou guerreiro, mesmo que não fosse do colégio militar.

Que coisa, viu!!!

O dia clareou e eu de tão absorta no passado, sequer me apercebi e, ao olhar através da janela para este azul celestial, creio que sou uma ingrata, afinal, mesmo não tendo sido uma gatinha dengosa, ainda assim, não sei porque razão, o universo me abraçou a cada amanhecer, atraindo para a minha vida o simplesmente exclusivo em forma de raras e preciosas mãos e almas que incansáveis, me alisam, mesmo que estejam a distância, como os sons de meus pássaros, tornando-nos, absolutamente próximos.

 

 

 

 

 

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