Os meus quereres estão sempre subjugados às minhas mais profundas necessidades. De nada adianta desconsiderá-las tentando realizá-los, porque o meu todo de apenas uma criatura humana em sua incrível complexidade, mas com vontade absolutamente rígida, simplesmente rejeita, insistindo em fazer apenas o que verdadeiramente lhe agrada.
Neste amanhecer simbólico, por ser o último do ano, seguindo a regra e a cabeça dos jovens que me cercam, juro que tentei até há instantes ouvir uns sambinhas para começar cedo a animar-me para a farra da noite, por eles prometida. Mas não dá… aliás, nunca deu.
Não sei se já nasci apagada ou se a minha natureza sempre insistiu em ver e sentir a vida da forma mais natural possível, não aceitando disfarces, aditivos, ou seja, lá o que for, a fim de me fazer acreditar que, com confetes e fogos, a bendita alegria, sem a minha resiliência e tenaz persistência, permaneceria em mim.
Então, cá estou, ouvindo Chopin, que combina harmoniosamente com a minha permanente alegria de estar usufruindo de mais este acordar, tendo como companhia os pássaros e, também, os mugidos do gado do vizinho que, imaginem, ontem, um deles, mais afoito, de pelo marrom-claro, rompeu a segurança da porteira e veio refugiar-se justamente em meu terreno, dando um trabalhão ao seu dono para reconduzi-lo. Confesso que adorei a sua inesperada visita…
E ainda tem gente que acha que vivo sozinha. Mas, pelo amor de Deus, como, se tenho todo este potencial amorosamente límpido e bem-intencionado ao meu redor?
Durmo com a serenidade de pensar que pode ter sido o último dia entre tantos anos espetaculares já vividos. E acordo grata por mais um amanhecer, um novo dia, que comemoro alucinadamente com o meu constante pingado de leite com café quentinho, o prazer de estar existindo, esteja eu em Ipanema, Guapimirim, São Gotardo, Brasília, Belzonte, Itaparica ou, como agora, nesta romântica cabana de madeira em meio à natureza de Santa Catarina.
Para mim, tudo é simples assim…
Até concordo com quem acha que nunca fui uma pessoa “normal”. Mas e daí?
Afinal, de que me serviria tentar sê-lo, se a minha natureza só quer charlar, rosetando com a paz?
Regina Carvalho
31.12.2025 – Pedras Grandes, SC

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