Faz pouco tempo recebi a incumbência de transcrever um livro publicado em 1969, cuja autora foi uma belíssima mulher, que também era minha tia e que abraçou a tarefa de, mais do que existir, fazer da sua vida um jardim de amor, com cores e perfumes que ela, cuidadosamente, fez questão de deixar impressos nas preciosas páginas de alguns livros. Neles, mostrava-se como era na essência: apenas uma mulher impulsivamente apaixonada pela vida e por tudo o que nela existia. Por isso, em tudo enxergava alguma beleza, sempre capaz de ser restaurada, jamais camuflando as oscilações provocadas pela insegurança de ter de provar, a cada instante, as suas próprias intenções, aquilo que lhe fora negado por tanto tempo.
Mais do que convivência física, estabeleceu-se entre nós uma ligação profunda, farta e absolutamente límpida de afinidades amorosas, que nem mesmo a sua morte física foi capaz de romper, já que posso reconhecê-la na minha forma de ser, em muitos aspectos.
E um deles é dirigir-me às pessoas usando adjetivos como querida ou meu amor, não como palavras vazias ditas aleatoriamente, mas embasadas num carinho natural que exala de mim, independentemente da minha vontade consciente, sem que eu precise pensar nas conveniências sociais de um sistema frio, calculista e quase totalmente insensível.
Assim como ela, fui constatando, ao reler os seus livros e pesquisar sobre a sua vida, que fomos alvos dos mesmos preconceitos. Num país de letramentos tão minguados e de atavismos culturais absolutamente arraigados, a mulher é constantemente colocada na berlinda da incompreensão e do pouco ou quase nenhum respeito.
Contrariando estatísticas avaliativas, todavia, e com conhecimento de causa, não por coragem, mas por uma necessidade visceral de narrar fatos e não fakes adaptados à hipocrisia social, afirmo: a mais feroz inimiga da mulher é, muitas vezes, a própria mulher. A primeira pedra lançada para ferir outra mulher costuma vir disfarçada, na espreita corrosiva da intriga, provocada por ciúmes, inveja ou ambos, pelo simples fato de se sentir ameaçada.
Aff, Regininha! É difícil quebrar a dureza da rocha social para fincar o mastro dos próprios propósitos de vida e da liberdade de ser apenas o que se é, quando quase tudo ao redor opta pelo ilusório de ser aquilo que jamais será.
Faltam dois dias para o fim de mais um ciclo anual e o início de outro. Espero estar aqui para continuar a lapidar quem sou e, assim, compreender melhor este mundo repleto de sensações e emoções nem sempre devidamente assimiladas e muito menos interpretadas.
Todavia, assim como a minha musa inspiradora, Hilda Roxo, sigo em frente com a alma leve para dizer a homens ou mulheres que me aprouverem: “Te amo”, sem qualquer outra intenção que não seja a ternura de quem não rouba, não fere e muito menos mata, seja lá o que for.
Regina Carvalho
29.12.2025 – Pedras Grandes/SC

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