O domingo acorda lento,
e eu que ainda não escrevi palavra alguma,
percebo que passei horas a ouvir o mundo,
a recolher vozes,
a colher sentimentos alheios
como quem apanha conchas deixadas pela maré.
Entre mensagens de amor e política,
o meu coração, sempre vadio e vigilante,
mistura tudo:
porque o amor também quer governo,
e a política, ah… essa,
governa mesmo quando não sabe amar.
Digo-me: haverá coisa mais vasta que a política?
Haverá mundo mais cheio de becos,
de sombras,
de mãos que se estendem para dar…
e para tirar?
De quem muito viu,
muito guardou nos olhos:
percebe-se que nada muda,
muda-se apenas o disfarce.
Os pesos continuam desiguais,
e o povo segue a pagar a conta da ilusão.
Por uns trocados a mais, vendem-se?
Por um cargo brilhante,
entregam-se?
Durante anos fiz estas perguntas
até compreender:
não é o dinheiro nem o prestígio
que cria o monstro.
O monstro já dormia lá dentro,
à espera de quem lhe acendesse o pavio.
Diz o povo que a ocasião faz o ladrão.
Eu digo: a ocasião apenas o acorda.
O caráter que nasce torto,
cresce à sombra
e alimenta-se da miséria moral
que se espalha como erva daninha.
E o amor?
O amor não divide cama com a política.
Quando tenta, perde-se.
Fica manchado.
Fica pobre.
Porque, no fim,
a multidão prefere o vilão ao herói:
o vilão não esconde o rosto,
nem a sede,
é sedutor na sua própria desgraça.
E a gente, que pensa,
cansa.
E a gente, que ama,
espera.
Entre o desencanto e a poesia,
segue o coração,
esse teimoso militante da vida.
Regina Carvalho — 7.12.2025, Tubarão, SC

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