quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

NADA É BANAL NESTA VIDA

Acordei pensando que sempre fui uma cronista, mesmo sem o saber. Nada como Rubem Braga ou Lima Barreto, mas, com certeza, fui ao longo da vida desenvolvendo a capacidade de relatar, com toques pessoais, poéticos e filosóficos, tudo o que podia ver, ouvir e sentir no meu cotidiano.

Os movimentos políticos e sociais sempre tiveram um significado que precisava ser desvendado e, assim, fui-me transformando numa observadora contumaz.

Nessa busca curiosa sobre tudo, fui ampliando, pouco a pouco, o sentido dos meus entendimentos e, para não perder o fio da meada, optei por registrá-los num caderninho que, com o passar do tempo, ultrapassou os limites da minha cercania pessoal. Descobri, então, as delícias das leituras autobiográficas, que me permitiam viajar por outros lugares e mentes, comparando as suas visões com as minhas.


Tendo uma mãe e um irmão musicais, quis conhecer, mais do que as melodias, as letras. Confesso que, sem saber bem porquê, comecei a substituí-las, inserindo nelas os meus sentimentos e impressões, de acordo com os efeitos que me causavam. De repente, um poema surgia, compassado pela minha mente.

Mais tarde, compreendi que escrever sobre o real me fascinava e me oferecia um mar de possibilidades interpretativas, sempre pautadas pelas emoções presentes em cada ação e reação.

Percebi também que a disciplina da escrita e da leitura diárias ampliava o meu vocabulário. Ainda assim, em termos gramaticais, sempre fui um desastre. Preguiçosa contumaz, jamais me esmerei em aprender regras ou em ater-me à gramática do que lia, preferindo concentrar-me nas mensagens dos autores e armazená-las para futuras comparações, criando assim um verdadeiro arsenal de ideias e ideais criativos.

Faço dos factos cotidianos a minha matéria-prima, embora cometa o erro recorrente de não os sintetizar. Insisto nos mínimos detalhes que muitos leitores, sobretudo os atuais, habituados à instantaneidade, acabam por dispensar.

Concluo que as situações comuns me oferecem subsídios abundantes para criar narrativas ora alegres, ora irónicas, filosóficas ou cômicas, mas sempre com o mesmo propósito: provocar alguns segundos de reflexão, romper o automatismo que robotiza e faz esquecer que cada ser é único e merece ser feliz.

Regina Carvalho — 17.12.2025 | Tubarão, SC

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