Numa manhã qualquer, que já não lembro exatamente quando, sentadinha em minha varanda, ouvindo os pássaros e apreciando o jardim, revi em um filme mental, as muitas atividades que desenvolvi até então, sem que nenhuma tenha me oferecido aquela sensação de completude que eu sentia necessitar, justo, por terem sido estimuladas, não por um desejo íntimo e pessoal, mas por um sistema que desde o início exigia de mim sucesso. Na realidade, todo este direcionamento, começou ainda na infância e se reforçou na adolescência, quando meu pai reconheceu em mim, fortes traços de autonomia e garra para atingir os meus objetivos repetindo como um mantra: “Você há de ser uma grande mulher”, o que mais tarde, transformou-se em: “Você é uma grande mulher”.
O que parecia um elogio, mesmo contrariando seu lado machista, em mim incomodava; como assim... Eu só queria ser uma mulher, capaz de seguir os impulsos de minha natureza e que nada tinha com o que me deixei dominar.
Minha mãe, com quem passava mais tempo e que era a “sensata” e tradicional da família, tentava frear meus impulsos, direcionando minhas ideias e ideais, dentro do quadrado das expectativas da época para uma jovem de classe média e de “família”, ou seja; estudar pra ser professora e casar com um bom partido.
Segui à risca...
Enquanto isso, minha cabecinha voava na garupa dos pássaros e das borboletas, companhias apaixonantes que transformei em amigos secretos e com os quais, ultrapassava as rígidas paredes que aprisionavam a minha mente sonhadora, criativa e apaixonada pela liberdade que eles me ofereciam.
Pois é... Precisei vivenciar quarenta e dois anos, para finalmente me libertar, graças a um empurrão do universo que decidiu dar um basta naquela perda de tempo que determinava a minha vida, decidindo, conspirar a meu favor, libertando-me das amarras das mesmices cotidianas de um sistema que em absoluto, nada tinha a ver comigo.
Nesse instante em que relembro a minha libertação, penso que essa armadilha chamada sistema é capaz de sem dó e piedade, nos levar a viver sem saber para quê. Há metas que nos ocupam os dias, mas não nos preenchem o espírito. Passamos tanto tempo tentando alcançar o que nos dizem ser sucesso, que esquecemos de perguntar se aquilo nos faz sentido.
Percebi claramente que seguir um propósito, não necessariamente é se ter um lugar específico para se chegar e sim, o que nos move a levantar da cama, quando ninguém está nos vendo ou exigindo, podendo ser cuidar de alguém, transformar a própria vida com arte, ensinar, curar, aprender qualquer atividade que nos traga autonomia aliada ao prazer, o que pode parecer pequeno aos olhos dos engajados nos sistemas deste mundo, cada vez mais frio e cruel, mas absolutamente salutar para quem vive esta experiência fantástica.
De repente, naquela manhã do passado, entre pássaros e borboletas, entendi finalmente, que não bastava ter sucesso para me sentir existindo: aliás, não bastava existir, era preciso viver com paixão. E isso, só cada um pode descobrir por si.
Pessoalmente, vivia correndo, trabalhando, conquistando, acumulando e volte e meia, no silêncio e enfadada, pensava: Vivo para ter casas bonitas, carros de luxo, roupas e joias caras e validação alheia...
“Para que tudo isso”, se me sinto oca?
Neste instante, paro a escrita e me levanto devagar...Respiro fundo, deixando a vida adentrar em mim...Talvez, não tenha ainda todas as respostas para esta minha mente questionadora, mas com certeza, já identifico com precisão, os rumos que me trouxeram genuína alegria e prazer de me sentir usufruindo de grandes emoções.
Regina Carvalho- 3.8.2025 Tubarão-S.C
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