sexta-feira, 1 de agosto de 2025

CARTAS SOBRE A MESA

Há um tempo em que o amor se escrevia em silêncio. Em olhares furtivos. Em cartas dobradas com cuidado. Havia margem para a dúvida, para o mistério, para o "quem será?". E havia, também, uma certa poesia na espera, no imaginar o outro por entre as frestas do que ele escolhia mostrar.

Mas esse tempo passou.

Hoje o amor vive à superfície, exposto como roupa em varal, sacudido ao vento das notificações e dos stories. Já não se espera uma carta, espera-se um “visto” azul. Já não se imagina a vida do outro, ela aparece-nos em sequência cronológica, com filtros, hashtags e reações de corações voadores.


Seria fácil dizer que tudo perdeu a graça. Que a magia se perdeu no excesso de dados. Mas seria injusto.

Mais do que nunca, os sentimentos estão sujeitos ao olhar de fora e ao escrutínio de dentro.

Mas será isso o fim do amor romântico? Ou apenas o fim das ilusões?

No fundo, o amor continua a ser um risco. Mas talvez agora, sejamos mais livres para escolher com quem vale a pena arriscar, e isso, por si só, já é uma pequena revolução emocional.

Porque talvez, o amor nunca tenha sido tão verdadeiro quanto agora. Agora que já não há onde se esconder. Agora que cada falha, cada ex-namorado(a), cada opinião mal digerida, está à distância de um rolar do mouse ou (scroll), para os mais sofisticados. O amor hoje é feito de escolhas mais nuas, mais conscientes, menos idealizadas.

Penso então nos efeitos da não observação ou aceitação de que o processo foi alterado, inclusive nas relações amorosas. Afinal, nada mais é como antes, talvez daí, a razão do aumento significativo dos feminicídios e agressões, já que se precisa viver com o peso cultural de cada universo pessoal.

Hoje, como num jogo de cartas, os naipes estão virados para cima. Já não se blefa com tanta facilidade. Já não se conquista só com promessas. Hoje, ama-se com o peso da exposição, com as contradições escancaradas. Ama-se apesar de saber ou por saber.

E há algo de belo nisso, pelo menos pra mim...

Porque, no fundo, o amor sempre foi um salto no escuro. Agora, talvez, seja um salto com as luzes acesas. Mais arriscado? Talvez...

Mas também mais sincero. Já que não se entra numa relação como quem compra um bilhete para o desconhecido. Entra-se como quem folheia um livro aberto e ainda assim, decide lê-lo, página após página.

O mundo mudou, sim. Mas o amor, esse velho teimoso, continua a resistir. Só que agora, não se esconde mais. Joga com cartas abertas e convida-nos a fazer o mesmo.

Regina Carvalho- 01.8.2025 Tubarão S.C

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