sexta-feira, 23 de junho de 2023

NADA COMUM

Do terraço do prédio era possível de um lado apreciar a mansidão das águas da Lagoa Rodrigo de Freitas e, num girar de calcanhares, deparar-se com as ondas agitadas do mar de Ipanema e ao tombar para trás a cabeça, lá estava o céu, normalmente brilhante, a coroar toda aquela beleza.

As vezes, quero dizer muitas vezes, deitei-me de frente para o sol, até perder a visão de tanto desejar recebê-lo em minhas retinas de criança e depois, menina-moça, curiosa em desvendar o que possivelmente haveria por dentro ou através dele.


Os olhos se enchiam de mil estrelinhas escuras e piscantes, efeito devastador à qualquer visão, mas não à minha que, antes de sentir medo de uma cegueira anunciada por minha mãe, não poderia dispensar tamanho espetáculo. E se o preço fosse a cegueira, que sequer poderia avaliar, que viesse então bendita cegueira, após a felicidade suprema de penetrar o sol e, por instantes, a ele pertencer.

Fechava-os, então, deixando a mente voar por entre o imaginário de menina filha única, rapa do tacho, princesa do lar.

O vestido esvoaçante na cor azul, bem clarinho, imitando o céu, moldava o meu corpo que rodopiava por um salão imaginário, tendo o universo como piso e um galante cavalheiro sem rosto a me conduzir, bem aos moldes dos musicais americanos que impressionavam as meninas dos anos cinquenta.

Ah! só suspirando ... Afinal, ainda é bom demais até hoje poder relembrar o poder que o romantismo exercia em nossas cabecinhas.

Nada era comum ou corriqueiro, tudo era especial, sem pressa de acabar logo.

Ah! beijar era um ato que se arrastava em profundas emoções, antes de acontecer, levando-nos a ensaiar inúmeras perspectivas, pensando por todo o tempo em como seria, e depois do acontecido, permanecia magicamente nos acompanhando, tirando a concentração, fazendo-nos percorrer fantasiosamente um mundo de lindas ilusões.

Como foi bom, meu Deus, ser uma menina nos anos cinquenta e uma linda adolescente nos anos sessenta, podendo ter como cenário constante os mistérios do mar de Ipanema, o requinte da Lagoa Rodrigo de Freitas e a aura de um Rio de Janeiro que mais parecia um principado dos contos de fadas, que o modernismo fez crescer e perder o brilho.

Fecho os olhos e, simbolicamente, fecho a cortina das recordações, podendo a qualquer momento abri-la, como se minha mente fosse um palco e eu a diretora de cena.

Por que não?

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