domingo, 5 de outubro de 2025

SOLAS DOS PÉS

Como de hábito, sempre que me sobra um tempinho nos dias ensolarados, sento-me na espreguiçadeira, deixando o sol aquecer o meu corpo enquanto leio algumas páginas do livro que escrevi e publiquei, onde narro parte das minhas emoções justamente por saber serem muito parecidas com as de outras pessoas. Mas, como são minhas, senti-me mais à vontade e honestamente qualificada para analisá-las.

Esta é a terceira vez que releio este trabalho, tentando encontrar algum exagero ou alguma camuflagem onde eu possa ter disfarçado algum sentimento ou conduta. No entanto, nada encontro além de mim mesma, sem retoques.


Na leitura deste sábado, mais uma vez, detive-me na página 225, cujo título é “Solas dos pés”, garantindo-me ter sido escrita num momento muito especial da minha vida. Ao reler, magicamente sinto-me transportada para as mesmas emoções, reconhecendo o gigantismo da minha libertação como ser humano que, ao mesmo tempo, abraça a vida sem medidas contidas.

Neste bendito dia, como uma capitã que comanda as manobras de si mesma, joguei a velha e pesada espada no chão, soltei a armadura de nós de aço que cobria o meu corpo e libertei os meus pés do couro resistente que os aprisionava.

Finalmente, a liberdade de ser apenas eu, sem olhar para trás, sem pensar no futuro, regozijando-me com o presente e concentrada nas costuras das minhas novas vestes.

De cada reflexo do sol, criei bordados, costurando com leveza a minha nova textura.

Do céu estrelado, peguei os brilhos e ofereci-os aos meus cansados olhos.

Das nuvens, fiz um novo forro para as solas dos meus pés.

No jardim, colhi flores e esfreguei-as na minha pele, criando o meu novo aroma.

Todavia, foi no pomar, numa mágica alquimia sensorial, que criei o meu mais legítimo sabor.

Que delícia é viver despida e de pés no chão!

Bendito o momento, já há tanto tempo em que, revoltados, os meus pés pisaram de botas pela última vez.

Regina Carvalho – 5.10.2025, Tubarão – S.C.

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