sexta-feira, 31 de outubro de 2025

VIL MORTAL

Nesta tarde, estou concentrada diante do notebook, buscando palavras para serem escritas, já que pela manhã elas me faltaram. E como são como o ar que respiro, o meu dia tem sido abafado, como se este me faltasse aos pulmões.

Sinto-me estranhamente incompleta e, apesar de em outras ocasiões ter sentido algo parecido, desta vez uma ponta de ansiedade insiste em empurrar a minha bendita paz para fora de mim. A mente resistente persiste em não abrir espaço, enquanto a alma permanece inquieta. Afinal, são tantos anos de tão absoluta paz que esta alteração cria uma inquietação quase, eu diria, um conflito que altera o meu todo, desestabilizando-me.


Conhecer-se tão minuciosamente tem destas coisas: nada passa batido, tudo se revela com nitidez.

Paro de registar este meu incômodo, fecho os olhos e tudo em que consigo pensar é na minha Itaparica, na minha casa e no meu jardim. Mesmo resistindo, acabo chorando pelo sabiá que, por lá, eu não estava para receber no início da primavera.

Ah, meu Deus, por que me privaste dos sons do meu encantamento?

Sinto falta do céu aberto sobre mim, das brisas marinhas pelas madrugadas, dos aromas familiares das acerolas, pitangas, mangas e amoras, tão comuns nesta época do ano.

Sinto falta do galo à distância a acordar-me, do balanço da varanda que me permitia ouvir o meu mais poderoso aliado, o silêncio, enquanto meus olhos límpidos, fixavam-se nos coqueiros, cujas folhas ao entardecer, tornavam-se figuras bailantes no céu estrelado de minha apaixonante Ponta de Areia. O ritmado som de seus próprios farfalhares, me ofereciam a sensação de completude e a ilusão gostosa de já não mais pertencer a este mundo louco, repleto de falsos valores e tão carente de amor.

Desaprendi a conviver com os conflitos. Desliguei-me das vaidades sistémicas, incorporei-me à beleza que meus sentidos foram capazes de absorver, limpando-me por completo, deixando-me autenticamente eu. Mas também, longe do paraíso como estou, sinto-me frágil diante do imponderável que, além do portão, redescobri que crucifica.

 Deparo-me com a conscientização de que jamais estive preparada para os duelos de egos, para as mentiras e as desfaçatezes tão comuns, nem mesmo como mera assistente.

Deus, deste-me por toda a minha existência o camarote especial, donde pude enxergar sem véus, a grandiosidade da vida, esquecendo-te que sou uma vil mortal.

Regina Carvalho- 30.10.2025 Tubarão SC

Nenhum comentário:

Postar um comentário

VIL MORTAL

Nesta tarde, estou concentrada diante do notebook, buscando palavras para serem escritas, já que pela manhã elas me faltaram. E como são com...