terça-feira, 21 de outubro de 2025

QUANDO OS OPOSTOS SE HARMONIZAM

Apesar de ter começado esta terça-feira ouvindo o último concerto do fabuloso Eric Clapton e dos seus incríveis músicos de uma vida quase inteira, optei agora por escutar uma sinfonia de Mozart. Afinal, enquanto escrevo, esse tipo de música permite que os meus pássaros interiores voem mais longe, rumo a lembranças maravilhosas que jamais me abandonaram.

Neste amanhecer friorento, despertei com a imagem frágil e pequena de Donana, avó do meu marido que, na rudeza simples da mulher acostumada à vida da roça, rejeitou-me de imediato, sem papas na língua. Deixou bem claro que fora contra o casamento do neto com uma espevitada carioca, exclamando em tom lamentoso: “Coitado do meu neto!”


Durante os dez anos seguintes, toda aquela rejeição foi diluindo e se transformando numa linda e afetuosa amizade que nem o seu falecimento, ocorrido nos meus braços, foi capaz de apagar. Volta e meia, a sua lembrança surge, suave e terna, aliviando qualquer tensão que eu possa estar sentindo.

Ainda a vejo sentada no tamborete, de perninhas cruzadas, segurando entre os dedos o inseparável cigarrinho de palha. Recordo também da paçoca de carne que aprendi a preparar no pilão, sob a sua rigorosa supervisão.

Bons tempos da garota de Ipanema que aperfeiçoou, na prática, os ensinamentos sensitivos recebidos na infância, com a inesquecível tia Hilda, em Guapimirim, onde o belo e o precioso se revelavam sem medidas nem contenções, nos lugares e nas situações incrivelmente singelas, onde o luxo era ser o que se era. Essa essência inspirou-me por toda uma vida.

Benditas criaturas que me ensinaram a pisar leve, para não macular o solo fértil e diverso da vida.

Regina Carvalho

Tubarão, SC – 21 de outubro de 2025

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