sábado, 18 de novembro de 2017

MERCANTILISMO DO MEDO


Enquanto cursava filosofia, dividi espaço universitário com inúmeros seguidores de religiões que cultuam o Diabo como forma dele se defender.
Pode uma coisa dessas?
Até então, não havia prestado atenção neste tipo de culto, mas sinceramente, depois deste encontro involuntário com os adoradores de Satã, não saí impune e precisei buscar um mínimo de entendimento de tamanha incoerência, já que me pareceu sem qualquer lógica o convívio destas criaturas com a filosofia e, ao mesmo tempo, suas crenças religiosas.
Bons anos depois, nenhuma razoável conclusão, fico pensando, que talvez, o medo de viver se assemelhe mais ao Diabo devastador, ficando Deus como uma ficção, figura lúdica, merecedor de retóricos cânticos e orações, escudo de proteção de uma suposta força dominadora que persegue, fazendo sofrer impiedosamente.
Mas aí, também penso na ineficiência de Deus e na eficácia do Diabo, já que mesmo sendo acirradamente combatido, persiste, resistindo bravamente ao poderoso Deus, numa medição de forças contínuas e multiplicando sistematicamente a diversidade de seus ataques, apesar de perceber que todos sempre embasados no medo irracional da criatura humana em viver, abrindo-se despudoradamente para as delícias que o envolve, sentindo e absorvendo e em contrapartida doando, num entrelace de liberdade em aprender e ensinar.
Soterrar o medo incomensurável que devora instantes preciosos de plenitude é impensável, pois requer arriscar-se para a desconhecida liberdade de ser e apenas existir, despindo-se das irrealidades que de tão envolventes se tornam elixires comparáveis às drogas e prazeres instantâneos, mas que também fazem sucumbir as belas e fascinantemente duradouras floradas existenciais.
E nesta busca de compreensão, deparo-me tanto nos livros que relatam a história da humanidade ao longo dos tempos, como a cada instante sistêmico, divido espaço com esta mesma humanidade na qual me insiro, reconhecendo que somos os únicos seres sobre a terra, incapazes de usufruí-la sem o terror constante de um Diabo que corrompe e faz sofrer e, ao mesmo tempo, de um Deus que consola, mas não liberta.
Forma inexplicável de existir.


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