sábado, 14 de junho de 2025

VARREI OS MARES, TUFÃO!

A queda das ilusões, nada tem a ver com a capacidade de ainda sonhar. O tombo não é único e não acontece de repente, vai simplesmente acontecendo, a princípio, espaçadamente e quando se percebe, tornou-se um trem bala, atropelando uma após outra das velhas ilusões, não sendo mais possível pará-lo em nenhuma estação do cotidiano, restando tão somente, trazer à tona a bendita serenidade em relação ao que não se pode mais disfarçar, porque mudar, jamais foi possível.

Nem tudo se perde quando vemos as ilusões simplesmente planarem nos ventos das realidades, sem mascaras ou qualquer outro disfarce enganador e igualmente, sem falsas piedades, descortinam-se em algum momento, deixando-se caírem sem vida nas calçadas dos nossos sentimentos, deixando-as livres do engano, abrindo espaço para uma nova forma de enxergar o mundo.


Recebi um vídeo sobre a fome em Angola e o relacionei com a fome no Brasil e no mundo, levando-me a pensar que mais que fome de comida, cresce sem medidas de contenção, a fome de caráter, de decência e de alma, transformado parte das pessoas em vampiros e outra imensa parte em molambos.

Ir perdendo as ilusões, dói, me faz sentir vergonha, abre feridas e me faz chorar...

Então, para sobreviver, sonho... Viajo de carona ora nas asas resistentes das borboletas, ora nas poderosas asas dos beija-flores, polinizando aqui e acolá, com a esperança de uma apenas poeta em poder acreditar que este mundo fantástico em um momento qualquer, reagirá com suas cores, perfumes e texturas, estimulando uma irrefreável varrição com a força de seus inigualáveis poderes, o lixo tóxico que o contamina. 

"Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus...

Ó mar! por que não apagas

Co’a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! noite! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!..."

"O navio negreiro, de Castro Alves"

“Assim, também sonhava Castro Alves, em meio aos seus lamentos de dor.”

Regina Carvalho- 13.6.2025 Itaparica

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