Quando
perguntei à minha mãe, porquê eu deveria ir para a escola e ela me respondeu
que era para eu ser alguém quando crescesse, confesso fiquei encafifada.
O tempo foi
passando e em diversas ocasiões voltei a ouvir dela e de outras pessoas, sempre
num tom sério e comprometido com a importância merecida e, eu, cada vez mais fui
querendo entender aquela desqualificação pessoal que me atribuíam, afinal, se
para ser alguém eu precisaria estudar muito, então, todo aquele que não tinha podido
estudar, era o quê?
Claro que
fiz inúmeras vezes esta pergunta para variadas pessoas, recebendo também diversas
respostas, mas sempre evidenciando-se o estudo como o transporte mais eficaz para
qualquer caminhada pessoal.
Bem, é claro
que mais adiante me foi possível entender o que realmente queriam dizer, no
entanto, o registro deste absurdo linguístico, jamais saiu de minha mente,
pois, foi a primeira ilógica e preconceituosa rejeição a vida que detectei. Afinal,
o simples fato de um ser humano existir, já deveria lhe conferir o título de ser
um alguém, antes mesmo de vir a ser um doutor em alguma coisa, assim também não
entendia o fato de, se era tão importante estudar para ser alguém, por que
todas as crianças, como os filhos dos serviçais, não tinham o mesmo acesso às
escolas?
Mais
adiante, o fato de muitas pessoas não serem consideradas “alguém”, me fez
compreender que por não serem nada para aqueles que atingiram o status de “alguém”,
sequer eram enxergadas e muito menos seus filhos, e então, o pesado fardo do
sistema social, desabou sobre mim, assustando-me e, ao mesmo tempo, fazendo germinar
em minha cabecinha de ainda uma criança, a certeza absoluta de que eu as
enxergaria, estivem elas em qualquer lugar.
Nem podia
imaginar que naquele momento, nascia em minha consciência, uma ativista social,
sem bandeiras, faixas ou slogans, mas com uma visão límpida da importância da
vida na vida de qualquer pessoa, resoluta a lutar para não permitir jamais ao
meu redor, que houvesse o maldito separatismo, cruel chaga que ainda não
permite que o humano seja a representação bendita do maior milagre da própria vida.
Com a minha
longa vivência, abrilhantada por infinitas experiências, posso garantir que a tal retórica em ser “alguém”, ganhou novas
versões, mas pouco se alterou, já que hoje, tem-se muitos “alguéns”, doutores
em diversas especialidades, mas também herdeiros da cegueira que os tornam
incapazes de evitar a desigualdade, mantendo como sempre, o velho e corroído
pano de fundo do “me engana que eu gosto”, garantindo assim, a sempre massa
invisível para servir-lhes, e nada mais.
Sou uma
irritante chata, que fala e escreve o que todos tentam esquecer e, até mesmo,
fingir que não existe.
Todavia, a
vida por si só, também é chata, pois, vez por outra, movimenta a terra,
rebuliça as mesmices, como agora com o COVID 19, justo para que sejamos
obrigados a enxergar o estrondoso exército dos que não são “alguéns”, assim como todas as
inadequações que somos capazes de produzir, mesmo, tendo tantos alguéns charlando
abusivamente nos comandos deste mundo de meu Deus, que aliás, não conseguiu
fazer de seu filho um “alguém”, já que pelo que se sabe, Jesus nunca se letrou,
preferindo, vagar como um errante, pregando a seu modo a grandeza e expertise existente
em todo alguém, provavelmente, tão afrontado, mas determinado, quanto eu e
tantos outros, com a estupidez que o cercava.
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