Criamos as palavras e, dependendo da era em que vivemos, associamos a elas medos, angústias, culturas e, acima de tudo, preconceitos. E, em nome do que tememos, acabamos por nos escravizar, sem correntes aparentes.
Quando decidi permanecer sozinha em minha casa, na Ilha de Itaparica, fui cobrada o tempo todo. Afinal, que loucura era essa de ficar só, entre pássaros, numa casa desproporcional às necessidades de uma única pessoa e, ainda mais na minha idade?
De repente, após a morte do meu Roberto, imaginaram-me uma haste sem o concreto que a sustentasse.
Que coisa, viu!
Houve momentos em que comecei a concordar. Afinal, percebi que o meu rejuvenescimento pessoal incomodava, que a minha liberdade ofendia os padrões que esperavam que eu seguisse. Então, o que me custaria concordar, sem mover um milímetro que fosse capaz de alterar a delícia de viver o que havia se apossado de mim?
O meu luto não derramava lágrimas. A perda do amor da minha vida deixara-me mais viva do que nunca, pois agora, eu só precisava pensar em mim e nas minhas borboletas, nos sabiás, e em tudo o que me fazia sorrir.
Colher pitangas, acerolas, mangas e amoras conectava-me com Deus. Como não me sentir feliz e renovada, podendo, inclusive, enxergar sem os panos da comum conveniência, tudo e todos que verdadeiramente olham para mim com a ternura de quem não julga, apenas aceita?
Ao partir, o legado que meu Roberto me deixou foi um só: “tudo bem”.
E, com o conteúdo de altíssima qualidade contido nesse fundamental ingrediente, testado e aprovado durante meio século, pude seguir adiante, saboreando as suas texturas, aromas e lembranças, que ainda não me faltaram.
Falamos, em geral, o que esperam de nós; agimos fingindo ser o que verdadeiramente não somos e, assim, creditamos ao outro, vivo ou morto, as nossas culpas.
“Tudo bem” é, acima de tudo, sinônimo de “valeu a pena”, num reconhecimento nítido de que cada qual oferece o que lhe é possível.
Simples assim.
Mas, como complicar é a norma geral, quando não seguimos esse fluxo, despertamos espanto e muitas ilações acerca dos nossos sentimentos.
O luto não precisa se expressar em lágrimas. A solidão não é sinônimo de depressão ou abandono, mas de gratidão por ter vivido uma experiência ímpar e ainda permanecer viva para sorrir, desfrutando do bendito legado que nos foi deixado.
Simples assim...
Regina Carvalho — 10.11.2025, Tubarão SC

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