De volta ao meu aconchego neste amanhecer bendito, ouvindo alguns clássicos de Chopin, penso que eu seria uma péssima pessoa se usasse o dom de escrever, que recebi pelas graças de um generoso Deus, ou seja lá o nome que a Ele queiram dar, sem falar de amor. Como se não fosse capaz de descrever o belo das suas criações, optando apenas pelo feio, bruto e amargo também contido nas suas obras de arte universais.
Quando meus míopes olhos, com a ajuda de lentes sobressalentes, focam uma esplendorosa mata, que pode ser apenas uma pequena capoeira aparentemente isolada num imenso pasto, vejo-a como um oásis de vida, convidando-me a admirá-la.
Quando, aos seis anos, balancei meus pezinhos nas águas geladas do córrego de Guapimirim, não temi as piabinhas que os mordiscavam incessantemente. Ao contrário, senti-me beijada infinitas vezes., descobrindo que beijos, causavam arrepios de prazer.
O cajueiro da casa de Teresópolis, carregadinho de frutos polpudos, atraiu-me pela perfeita estética e impactante aroma. Mas, quando mordi com a sofreguidão de uma contumaz comilona, franzi a testa e cuspi imediatamente a polpa, numa rejeição instantânea. Ainda assim, o seu aroma, a textura da casca e a firmeza da castanha tornaram-se referências de qualidade impecável, mas não necessariamente afinidades, nas minhas futuras seleções pessoais.
Mas foi a associação dos sons do mar de Ipanema e o chicotear das ondas nos rochedos da Av. Niemeyer que me conduziu à compreensão das finas e variadas nuances dos acordes musicais. Assim, fui selecionando naturalmente as minhas preferências e adequando-as aos meus próprios movimentos: ora Chopin, ora Beethoven; ora romântica, ora impulsiva; ora melosa, ora sedutora, afinal, todas frutos da minha essência humana.
Quando me entendi como obra-prima da criação e, afora este ou aquele defeito de fabricação, relaxamento ou descaso, não houve um só dia em que eu não estivesse apaixonada por mim. E, nesta pegada generosa ao extremo, como seria possível também não me apaixonar pela divina criação do tudo o mais, deixando em segundo plano seus prováveis defeitos?
Normal?
Quando é que afirmei sê-lo?
Sou, quando muito, uma apreciadora da luz da vida, que presente em tudo e em todos, simplesmente me fascina.
Regina Carvalho – 20.11.2025 – Tubarão, SC

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