quinta-feira, 27 de novembro de 2025

EU BEM QUE TENTO…

Mas como silenciar a mente que insiste em amanhecer antes do sol?

Como fingir que o dia não se abre em claridade, lembrando-me  com uma delicadeza cruel que envelheço um sopro a cada manhã, mesmo quando o corpo insiste em sentir-se eterno?

Tento afastar o que não posso mudar, essa verdade dura que se revela como uma maré que nada detém.

E, nessa covardia discreta, já perdi dinheiro, ilusões e até rostos que julgava amigos.

Mas que culpa tenho eu, se a minha mente é teimosa como um pássaro que recusa a gaiola, ainda que digam que sou tola, sonhadora ou lúdica demais?


Refugio-me nas palavras, sim, mas até elas, caprichosas, às vezes conspiram contra mim.

Mostram-se lúcidas demais, sensatas demais, demasiado distantes da fantasia que tantos desejam ler.

E assim, deixam-me só, como se apenas eu e uns poucos errantes, víssemos a vida tal como ela realmente se desnuda.

Recordo o passado, ainda quente na memória, quando eu acreditava que a dúvida podia ser enganada,

quando ainda dançava com a esperança, mesmo que em passos tortos.

Mas o mundo, num rompante, arrancou o véu e exibiu uma liberdade de papel, barulhenta, incoerente, que serve apenas para calar os que reconhecem a mentira, agora vestida de oportunidades brilhantes demais para serem verdade.

E confesso:

prefiro os pássaros e as borboletas.

Neles ainda encontro um abrigo manso para o meu desencanto.

São eles que me impedem de enlouquecer perante a constatação de que tudo parece girar em torno de poder e moeda e que, para muitos, tudo é válido, tudo é negociável.

Penso em Deus e volto à infância, onde ele me era mostrado através dos sentidos:

a chuva que me tocava como bênção,

o sol que me abraçava como promessa,

os perfumes que me falavam da beleza,

os sabores que me ensinavam o prazer antes da culpa.

Mais tarde, encontrei-o também nos primeiros beijos, tão divinos quanto desajeitados, que me revelaram que o sagrado mora no humano.

Como poderia negá-Lo agora, quando arde a floresta e sangra a vida?

Como fechar os olhos às manipulações, às sombras nos olhares, aos sussurros de mentira que tantos transformam em verdade?

Sim, eu fujo da contaminação do mundo.

Não por soberba, mas por reconhecer em mim a fragilidade da flor que desmaia no calor,

e a tolice doce de ainda poder apaixonar-me por um simples olhar.

Num mundo de trocas frias e verbos calculados, agarro-me à grandeza silenciosa da vida.

Regina Carvalho – 27.11.2025, Tubarão – SC

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