Ingratidão, é o que fazem conosco, velhinhos adoráveis, cujo único defeito é ter nos tornados, digamos, mais lentos em nossas atividades físicas, mas não menos produtivos, talvez, também, mais prolíxos, sistemáticos, exigentes e, vez por outra, birrentos e teimosos por nos acharmos egoisticamente com todos os direitos, pelo número de anos vividos.
Coisas de velho, diriam alguns, mas eu, como velha, prefiro desconsiderar estas afirmações, preferindo ignorar meu gênio difícil. Aliás, gênio este que sempre foi exatamente como se apresenta, acreditando verdadeiramente que já foi bem pior, tanto quanto posso me lembrar, pois nos últimos tempos, cá para nós, que ninguém nos ouça, tenho tido falhas absurdas de memória, recorrendo com muito mais frequência à agenda, o que me coloca em dúvidas quanto à épocas e acontecimentos.
Olhando-me através do revelador espelho, cruel e impiedoso inimigo dos velhos, constato os estragos ocorridos e, mais uma vez, cá entre nós, que mais ninguém me escute, fico puta da vida, principalmente porque me lembro sempre nestas ocasiões daqueles velhos não assumidos, recalcados e sofridos, o quanto de vantagem estão tendo em suas velhices.
PORRA NENHUMA!
Mentira deslavada, quem de verdade gosta de estar velho? Qualé malandro?
Como mulher e naturalmente vaidosa, preciso a cada dia ir aceitando com a mais profunda serenidade ou, o que é mais verdadeiro, alienação induzida, o fato concreto e irreversível da queda impiedosa de tudo, assim como no meu caso específico, do aumento progressivo de também quase tudo, levando-me a pensar que se eu viver muitos mais anos, ao morrer, precisarei de um caixão redondo, o que certamente será um transtorno.
E se não bastasse ainda somos obrigados, como velhos assumidos ou não, de termos que concordar sorrindo com aqueles velhos prá lá de sofredores, que ficam pregando aos quatro ventos o quanto a idade trás de sabedoria, e enquanto falam, penso:
-E quem quer ser sábio?
Eu, e a maioria, preferiria estar com a bunda dura e o cérebro em aprendizado, os peitos durinhos, a pele repleta de frescor e o afago de meu ego, por todo o tempo, através dos olhares de cobiça dos homens e invejosos das mulheres.
Sapiência, qual nada, o que todo mundo que está velho gostaria mesmo é de estar com o furor da juventude, pensando por quase todo o tempo que o tempo jamais passará. É..., mas infelizmente, ele passa, inexoravelmente, murchando os viços e a agilidade física, trazendo com ele na mesma proporção devastadora a indiferença dos jovens que, bendita e ignorantemente, não conseguem se enxergar em igual forma, algum dia. E também, é claro, acumula experiência, alguns de verdade se tornam sábios, outros, criaturas insuportáveis, mas todos, sem exceção, por mais que neguem, dariam tudo que possuem em troca de começar tudo de novo com o frescor inigualável de suas juventudes.
Então, pensando nisto, relembro vez por outra, o tanto, que quando jovem, como a maioria, perdi tempo com isto ou com aquilo, tempo este que jamais pude recuperar.
Portanto, façamos em nossa velhice justo o contrário. Dentro de nossas possibilidades, sem qualquer drama ou stress, vivamos prá caramba, até nos esquecendo que a bunda e outras coisitas mais cairam, o que sinceramente deixa de ter importância maior, frente a absoluta certeza de que ainda estamos vivos, mesmo pagando o mico de termos que usar a fila dos idosos, mas fazer o que, afinal, este é o único instante em que ser velho, nos trás alguma vantagem, principalmente nas filas desesperadoras dos bancos, se bem que em algumas ocasiões a bendita fila esta lotada,o que também é um consolo, por que, afinal, isto significa que as pessoas estão vivendo por mais tempo e que o mundo esta envelhecendo.
Que coisa, heim?!?!
terça-feira, 16 de março de 2010
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