Desde ontem, a imagem de meu pai, falecido em dezembro de 2000, não sai de minha cabeça, mais precisamente uma de suas inúmeras citações filosóficas.
Ele costumava dizer:
- Tudo que o dinheiro paga ou a água e o sabão lavam, jamais será problema.
Entretanto, será que ele tinha razão, ou simplesmente o repetia tão somente como desfesa previa à sua postura de machão carioca, cujo objetivo maior era não permitir que nada, absolutamente nada, tirasse dele o foco principal de sua existência, que era viver bem longe de qualquer problema?
Havia em meu pai uma ogeriza a tudo que representasse, ou que pudesse vir a representar, aporrinhações em seu dia-a-dia e, portanto, se alguém quizesse perder a sua companhia, bastava criar-lhe algum tipo de dificuldade que o seu dinheiro ou um bom banho não pudessem resolver.
Ele não criava casos, não falava mal de ninguém, tão pouco se lamuriava fosse pelo que fosse, mas certamente ele ignorava, a partir de então, o foco de seu aborrecimento.
Sua avaliação era única, ou seja: serve ou não serve, quero ou não quero, dou ou não dou, vou ou não vou, preciso ou não preciso, e assim por diante, em uma postura prá lá de exclusivista, por que afinal ele só fazia o que queria em um autoritarismo cruel, pois o fazia entre beijos e carinhos, aprisionando com seu envolvimento todos que o admiravam. E ele era admirável, bonito, inteligente, um verdadeiro sedutor.
Foram raríssimas as vezes em que o vi exercer seu mando de todo poderoso fora dos padrões da manipulação amorosa.
Sua postura, por vezes me irritava a ponto de desafiá-lo e nem assim ele se alterava, no entanto, nesses momentos, ele deixava a fleuma de lado e apenas dizia sim ou não, e eu obedecia, sem entender bem por que, apenas obedecia, vendo-o retornar à sua postura constante de aparente sossego, independentemente do quanto eu me sentia frustrada.
Estou relembrando este lado de meu pai, que sinceramente não entendia e gostava, talvez porque, desde ontem, após uma conversa entre amigos, cujo assunto era o perdão, criei uma associação imediata frente à facilidade com que via meu pai apenas eliminando, em determinadas ocasiões, coisas e pessoas sem demonstrar qualquer sofrimento, raiva, mágoa ou sentimento de perda, e isto me foi tão marcante que, em muitas ocasiões, simplesmente não o perdoei e, absurdamente, vi-me agindo da mesma forma, no entanto, sofrendo muitíssimo, sem conseguir que o dinheiro, uma cachoeira e litros de sabão pudessem arrancar de meu coração o sentimento da dor emocional.
E aí, penso que com ele deveria ser igual, apenas ele desenvolveu uma espécie rara de camuflagem, impossível de ser penetrada por qualquer pessoa à sua volta.
Talvez, seu humor sempre ativo, fosse justo a blindagem de sua dor .
Afinal, o que vem a ser o perdão?
Como é possivel, padronizar posturas frente as mágoas?
Como avaliar a extensão da dor que nos é causada?
Como medir, traçando regras posturais, o tamanho do problema que nos é causado, frente à decepção, se cada pessoa é única em suas absorções?
Como engessar o perdão em padrões comportamentais sociais, religiosos ou de interesses políticos e comerciais sem confessar, a nós mesmos, o quanto estamos dilacerados pela afronta recebida?
Estou me referindo a mágoas profundas, traições inconcebíveis, porque no dia-a-dia é impossível até mesmo avaliar com precisão se algo que alguém nos faça deva ser qualificado de traição ou seja lá o que for, pois infelizmente, por quase o tempo todo, somos invariavelmente invadidos pelos tratores desgovernados dos desequilíbrios sistêmicos e com certeza na mesma proporção invadimos, em uma simbiose doentia de falta de respeito ao direito alheio de qualquer natureza, levando-me então a pensar, que não é a toa que buscamos amparo religioso, afinal, nem que dispuséssemos de todas as águas, sabões e dinheiro do mundo, seríamos capazes de receber uma afronta, traição ou pouco caso sem, no mínimo, deixar o coração acelerar e a alma, por que não, chorar.
Pois é muito doloroso ser sacaneado, principalmente por aqueles que amamos ou confiamos.
Terrível, termos que constatar o quanto nos é difícil perdoar, se compararmos as nossas reações à passagens bíblicas.
Particularmente, sinto-me a pior das criaturas, justo porque perco a naturalidade com quem me ofendeu ou magoou, e me é difícil a partir daí qualquer convivência que não esteja atrelada ao polimento social, e isto não é perdão, isto não é compreender os motivos alheios, isto não significa não estar sentindo qualquer sentimento contraditório.
Todavia, isto com toda a certeza tranforma a qualidade de nossas existências, levando-nos invariavelmente às culpas pessoais, estimulador de flagelos físicos e emocionais.
Não consigo fingir que está tudo bem, não consigo sorrir ou me portar com naturalidade e, sem ela, afronto-me por demais, pois fazer de contas que está tudo bem, eu simplesmente não consigo, e então, penso que meu pai deveria sentir mais ou menos a mesma coisa, talvez por esta razão ele se afastava do alvo de sua aporrinhação ou mágoa.
Será que sofria menos?
Diz o ditado popular:
- O que olhos não vêm, coração não sente.
SERÁ?
Jamais saberei, entretanto, em meio a esses pensamentos, lembro de Jesus, que aprendi a chamar de meu em uma enorme intimidade, certamente porque através dele fui aprendendo mais que doutrina religiosa, fui aprendendo a me perdoar, passo primeiro e único, se não para perdoar aqueles que me magoam, no mínimo para aceitar com o coração menos doído tudo quanto não posso modificar.
Bom Dia !!!!
quinta-feira, 18 de março de 2010
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