quarta-feira, 12 de junho de 2024

PRECIOSA HERANÇA...

Trinta e seis anos depois, já com muitas páginas, fixadas com cola e fitas durex, cá está a preciosa herança a mim oferecida ainda em vida pela minha sogra(mãe) fraterna, Maria Zizita. 

A caligrafia irretocável e a capa plástica ainda é a mesma dos tempos passados, cor de rosa e repleta de pequenos corações que simbolizam a nossa profunda amizade e o seu carinho em repassar a mim, todo o seu conhecimento amoroso, humanitário, culinário, artesanal, fazendo de mim, na cozinha de fora da casa principal, onde estava instalado o fogão à lenha, sua ajudante das sextas feiras, quando, então, dedicava o dia a produzir delícias para serem degustadas por toda a semana

 No final da tarde, depois, de toda a labuta, íamos animadas e tagarelando ao salão de cabelereiro de sua comadre, cujo nome me falha no momento, para escovar os cabelos e arrumar as unhas.


A vaidade sempre presente e os estômagos forradíssimos, porque, afinal, fazíamos e comíamos...

Biscoitos, broas, roscas e bolos que eram armazenados em latas de 20 litros de manteiga, enquanto, dona Ana (sua sogra) sentadinha num tamborete, com as perninhas finas e branquinhas cruzadas, a tudo assistia contando histórias, não sem esquecer das relacionadas as traquinagens de seu falecido marido, o que estimulava, deliciosas risadas.

Nos demais dias, proseávamos o dia inteiro cercada de miçangas e linhas, tintas e pinceis, agulhas e novelos de linha e lã, além do pequeno tear, num pequeno quarto que transformamos num improvisado ateliê e onde, sem que me desse conta, me foi possível aperfeiçoar a arte dos detalhes e da paciência, sempre tendo a querida “Donana”, contado a sua versão de alguns fatos familiares que em algumas ocasiões, causava polêmicas com as de minha sogra e aí,  fui aprendendo a ouvir, interferir para acalmar os ânimos, sem no entanto, tecer comentários pessoais em nenhuma das narrativas, assimilando, mesmo sem a devida consciência, o valor da intervenção pacificadora.

Afinal, as histórias eram reais, as narrativas é que eram feitas de acordo com a visão e emoção, vividas e sentidas por cada uma delas.

Lembranças de imagens de uma convivência de mais de meio século que se repetiu durante os nove meses de minha permanência em sua casa em São Gotardo, no oeste de Minas Gerais.

Quando, finalmente parti para Brasília, com apenas 20 anos, levei na bagagem mais uma rica mala repleta de novos aprendizados e valores agregativos e que nos anos seguintes, fizeram aflorar nos momentos certos e cruciais, o melhor de mim.

Hoje, relembrando, posso compreender o quanto de sapiência havia naquela professorinha do interior, querida por todos os seus alunos, inspirando a um deles, a responder numa questão de uma prova de religião; que “DEUS estava no céu e dona Zizita na terra”, descrevendo com a pureza infantil, o melhor que ela sabia ofertar que era a sua incansável generosidade, ofertando a todos do seu cotidiano, o melhor de si mesma, que afinal, era toda a sua preciosa autenticidade e atenção.

Não houve tropeço, excessos ou qualquer excentricidade que certamente, expressei nos meus cotidianos dali em diante, que tenha sido capaz de sobreviver ao melhor que se somou ao já recebido em minha infância, mas que aquela linda criatura fez rebrotar em mim.

Seis anos depois, novamente juntas pelas circunstâncias, lá estávamos, sem que a distância, tenha pesado ou mascarado a amizade forte e resistente que havia se estabelecido em nossa inicial convivência que permaneceu por mais 13 anos, até o seu falecimento em 1988, morando na mesma casa, onde tivemos o privilégio de exercitarmos o amor e a tolerância com os nossos naturais e reais conflitos de geração, preconceitos estabelecidos e diferentes absorções culturais.

Hoje, neste mês de junho, quando, breve se completará 36 anos de sua ausência física, posso garantir sempre tê-la tido ao meu lado, com sua energia vibrante e alegre, inspirando-me a seguir  adiante, afora tudo que possa parecer impedimento, portanto, por ela não choro de saudades, afinal, ela sempre estará comigo como sempre confiável, mãe, professora, amiga, confidente e de quebra, sogra.

Dedicado à minha parceira de vida Maria Zizita Leopoldino Couto.

Regina Carvalho- 12.06.2024 Itaparica

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