segunda-feira, 14 de maio de 2018

QUANDO OS SINOS DOBRAM


Não sei se é comum acontecer com as pessoas de um modo geral, mas comigo tem sido um constante duplicar de sentimentos que assustam, libertando conceitos antigos oriundos de uma formação sócio cultural que com o passar do tempo foi se esfacelando e dando lugar a uma conscientização do claro e translúcido sentido de quase tudo.
Penso que seja bom este amadurecimento libertador, que rompe amarras que sempre incomodaram, pelo menos a mim, mas que por uma certa espécie de conveniência ou simplesmente hábito, faziam parte do que eu achava que era eu, e assim, segui camuflando, numa hipocrisia de palavras e atitudes não conscientes, mas real nas consequências.
Venho descobrindo assustada que apesar de ter em minhas origens de avó paterna a tenebrosa senzala de uma fazenda no então distrito de Valença, circunvizinha do Rio de Janeiro, e de pregar discursos sobre os horrores do preconceito racial, eu vivi décadas como uma preconceituosa disfarçada, ostentando uma brancura de pele e renegando, silenciosamente, o negro presente no meu DNA.
Assusta a conscientização, assim como dói arrancar da mente a certeza absoluta de que não sou culpada e sim mais uma vítima, neste maldito desencontro social de classes, onde a vaidade, mas acima de tudo a ganância contínua, transformou a pessoa de pele branca num escravizador de  vidas, arrebanhando para si, além de baús de ouro, a herança sórdida, chamada preconceito, que nada mais é que a perpetuação do ilógico, do insensato,  eternizando a chaga do discriminador de tudo que lhe é diferente, numa constante dor existencial.
Se para tudo ser modificado, polido e lustrado nas posturas físico emocionais de uma pessoa torna-se necessário advir de sua própria vontade mental, concluo nesta manhã de 14 de maio, cento e trinta anos depois da abolição fantasiosa da escravatura em nosso país, que também somente através da lucidez individual seja possível, lenta mais sustentável, a verdadeira libertação dos negros e dos brancos desta contínua herança tenebrosa.
A verdadeira libertação deverá acontecer quando o perdão for mais poderoso que o ódio. Quando a consciência, tomar o lugar da indiferença.

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