sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

COMO É DIFÍCIL...

Fico aqui pensando, enquanto olho as letras do teclado do computador, o quanto é difícil emitir opiniões isentas das emoções, oriundas das influências politicamente corretas, onde dogmas religiosos estão embutidos e onde a hipocrisia humana se veste de moralidade para, então, determinar o certo e o errado. Falar de aborto, assunto tão polêmico e complexo sem colocar Deus e o pecado como tônica, é um desafio e, ainda por cima, julgar quem o praticou é sempre um enorme risco de se estar desconsiderando inúmeros fatos que permeiam a vida humana de milhares de mulheres mundo a fora, reduzindo-as tão somente a um bando de irresponsáveis assassinas. O Brasil registra anualmente cerca de um milhão de abortos, o que garante que cerca de uma a cada cinco mulheres o pratica e isto é assustador, queiram ou não as Igrejas admitirem, exigindo delas e de seus seguidores uma maior reflexão a respeito de tão sério assunto. A cada nove minutos, morre uma mulher por aborto clandestino, o que vem provar que criminalizar sua prática, não aumentará sua existência, mas certamente, diminuirá o número de mortes de mulheres, além de amenizar o sofrimento das que sobrevivem, que são em sua maioria pobres, negras, sem educação formal e sem a mínima condição pessoal de manter uma gravidez. Numa época em que se discute por todo o tempo, os direitos de escolha das mulheres em Congressos pelo mundo, criminalizar o aborto é antes de tudo um acinte às mulheres em seus mais significativos direitos, que é ter o domínio e a autonomia sobre o próprio corpo. Isto sem falar no exército de desnutridos sociais que engrossam os asilos, casas de apoio, orfanatos, assim como os mais desgraçados que encontram nas ruas, becos e praças o aconchego de uma sociedade fria que os ignora, transformando-os através dos descasos sistêmico em abortos vivos da miséria e do abandono. Jamais defendi aborto e sequer pensei em fazer um, mas assusta-me a incapacidade do ser humano em reduzir uma decisão no mínimo dolorosa fisicamente, a um sim ou não e a conjecturas sobre educação sexual e planejamento familiar, num pais em que a educação básica está falida, as instituições corrompidas e a indiferença interpessoal dos cidadãos se encontra tão fragilizada. Assassinato individual de um feto é crime, mas o que falar dos assassinatos coletivos que acontecem por todo o tempo e que ouvimos, assistimos, lemos e não consideramos, tão somente, porque nos acostumamos a transferir as responsabilidades sociais, como se não fossem também de cada um de nós. Nos calamos diante dos horrores diários em prol de permanecermos comodamente apenas opinando sem qualquer real envolvimento com as mazelas de nosso mundo sistêmico, além de pequenas ações meritórias em datas especiais, onde então, nos lembramos dos não abortados que superlotam as jaulas do sistema de amparo ao menor. Precisamos pensar mais além do já estabelecido, afinal, se tudo mudou drasticamente nos últimos milênios, por que ficarmos estagnados, a apenas repetir refrãos sem maiores análises do contexto real, desta nossa assustadora civilização do século 21?

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