terça-feira, 15 de junho de 2010

EXCLUSIVISMO BURRO...

Hoje, enquanto preparava o café, na companhia de meus cães, e gozando do silêncio bendito da ainda madrugada, lembrei-me de um fato que ocorreu em l965, quando então eu tinha l5 anos e uma onda de assaltos noturnos passou a nortear as mentes e vidas dos moradores da Rua Barão da Torre, em Ipanema, Rio de Janeiro, local onde nasci e me criei.
Até então, ladrão era coisa de que só se tinha conhecimento através de jornais sanguinolentos, como, por exemplo, O DIA, que afinal era proibido nas casas de gente de bem, pois era o estereótipo da coisa ruim, que não deveria fazer parte do dia-a-dia de uma família respeitável, mas que o meu pai, como eterno contrariador, comprava e deixava sempre largado em algum sofá, o que despertava em minha mãe muita contrariedade, visto ser ela era partidária de não se contaminar as vistas e, consequentemente, a mente com o triste ou desagradável, ao contrário de meu pai, que achava que os filhos deveriam conhecer o lado escuro das intensões e ações humanas.
Esta postura de meu pai, inclusive sempre tentando responder as minhas perguntas em relação à capacidade humana em torturar e matar, não só o seu semelhante como a si e ao tudo que via e tocava, provavelmente teve alguma influência neste gosto que sempre demonstrei em adentrar nos meandros das posturas e emoções.
Bem, voltando à onda de ladrões, pouco tempo depois, em conversas nas portas dos prédios e casas, chegou-se à conclusão que não se tratava de ladrões e sim de um ladrão, pois o "modus operandis" era sempre igual.
Imaginem, ele roubava roupas esquecidas que estendidas no varal passavam a noite no sereno. Seria o ladrão de galinhas que ainda hoje existe a nos atormentar, sem, é claro, estar no uso permanente do crack, que, afinal, faz os de hoje um perigo em potencial.
Lembro-me que foi formada uma comissão de três moradores que motivaram aos demais à pagar uma pequena taxa mensal para se colocar um guarda-noturno.
Quem ainda se lembra desta figura emblemática que, com um apito, circulava com o intutuito de espantar ladrão?
Pois é... em pouco tempo o ladrão foi detido e a paz retornou às nossas vidas.
Bons tempos, onde os ladrões eram notoriamente de galinhas, os crimes em sua maioria eram de fundo passional e político safado se esforçava e muito para não ser descoberto, pois existia um respeito pela imagem pública, que quando perdida, ou até mesmo ameaçada, podia levar ao suicídio.
Parece coisa de gente velha, lembrar de fatos do passado, e de certa forma o é, afinal, jovem não tem passado para lembrar, cabendo aos velhos a incumbência dos registros, sejam históricos ou simplesmente posturais das épocas que certamente norteiam os jovens a traçar parâmetros nos seus presentes e caminhadas futuras.
Tantas lembranças não teriam sentido maior se não estivessem atreladas a um presente que aborrece, incomoda e que nos leva a fingir por todo o tempo que não percebemos as mudanças, que apesar de seu lado evolutivo e, portanto, natural, se mesclam à uma distorção assustadora de valores e conceitos que veio minando sorrateiramente a princípio e que agora, de uns anos para cá, parece que vem se escrachando de uma forma tão consistente que não levanta mais sequer polêmicas, pois que tudo de verdade está diferente, sem alma, sem coração e, consequentemente, sem respeito aos demais.
O que na realidade resgatei foi a lembrança de uma rua com moradores solidários, participativos, que mesmo não se frequentando nas intimidades, mantinham o bem não como comum, mas absolutamente em comum, e não como se vê hoje em dia em que os bons e decentes cidadãos nâo estão nem aí, para o que ocorre com o seu vizinho, sua rua, seu bairro, sua cidade e muito menos seu país, em um exclusivismo egoísta e burro.
Tenho percebido que somente os mais velhos ainda se ressentem pela solidão social em que se encontram, pois os mais jovens, absolutamente integrados aos seus novos valores, nem se apercebem do abismo que, certamente, mais cedo ou mais tarde, fatalmente se verá despencando, sem, no entanto, ter tido o privilégio de perceber lembranças de tempos onde, apesar dos pesares, ainda se podia sentir um pouco de humanidade nesta sofrida e hoje desnorteada humanidade.

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