domingo, 3 de novembro de 2019

TAREFA DIFÍCIL



Muito interessante são os nossos filhos, quando crescem e acreditam piamente que nós, os pais que tudo sempre fizeram para educa-los, já não sabemos de absolutamente nada, aliás, de umas décadas para cá, somos vistos como úteis apenas para cuidar dos filhos deles, enquanto, trabalham, todavia, nós, por não termos tido a mesma facilidade, tínhamos que nos virar nos trinta, pois é bom lembrar que nem todas as mulheres eram apenas donas de casa.
E a coisa começa cedo, exatamente na escola, e aí, muitas vezes, riem das nossas caras frente aos métodos atualizados de ensino, que até podem nos parecer estranhos, mas que também estão bem aquém dos antigos, pois naquelas épocas remotas, aprendíamos melhor e mais rápido.
Lembro-me de ter decorado o poema Navio Negreiro de Castro Alves com apenas 9 anos, enquanto cursava a antiga terceira série primária, e de ter ganhado o primeiro lugar em um concurso público, promovido pela Editora Abril Cultural, sobre os 400 anos do Rio de Janeiro, com apenas 14 anos, cursando o segundo ano do ginásio.
Mas quando chegam na faixa dos 14/15 anos, aos olhos de nossos filhos, deixamos de ser pessoas para nos tornarmos completos retrógrados, completamente fora da atualidade, afinal, só existe aí, uma realidade que é não poder competir com os “amigos”, sempre muito mais atraentes e inteligentes. É neste crucial momento, que sentimos o nosso mundo de pai e mãe desabar, pois descortina-se no cotidiano das relações familiares a dolorosa sensação de impotência, já que reconhecemos não estarmos preparados para o árduo duelo com as influências que, em muitas ocasiões, nos fazem pensar que aqueles filhos que geramos e educamos,  nos parecem verdadeiros estranhos.
Mas nada como um dia atrás do outro, afinal, superadas essas fases, agora com os filhos mais adultos, alguns trabalhando outros estudando, pensamos aliviados que, pelo menos, as preocupações amenizaram-se. Qual nada, aí é que o bicho pega, pois de uma hora para outra, lá estão eles, namorando, transando e muitos fazendo filhos, imagine que nós, os abobalhados, segundo eles, ainda teremos que educar para que eles possam ganhar e construir suas vidas, isso, quando não trazem os parceiros amorosos para viver debaixo do nosso teto, para que possam economizar ou nada fazer, como uma assustador número de jovens modernos e descolados.
Mas o pior, ainda estará por vir, caso venhamos a viver muito e nos tornemos velhos, pois a inutilidade aos olhos dos filhos toma proporções que vão além do imaginário, afinal, velho não sabe cuidar do que tem, velho não pode fazer isso ou aquilo e, de repente, nos tornamos filhos, nem sempre, infelizmente, bem atendido pelos filhos, mas sempre irremediavelmente inúteis aos olhos de cada um, excetuando-se o cartão da aposentadoria que fatalmente passa a ser controlado e sacado sob os olhares atentos do dedicado filho, que teme que papai ou mamãe sejam roubados na porta do banco ou que simplesmente percam, e aí, neste dia abençoado a cada fim ou início do mês, todas as atenções se voltam para os pais, velhos, inúteis e cansados, mas possuidores de uma alforria mensal, que pode durar, quando muito, até o saque.
Tarefa difícil é a de ser pai e mãe, pois, quando o final é feliz e tudo que eu escrevi fica diferente depois que se tornam adultos, ainda assim, deixamos de ser gente para nos tornar, tão somente, velhos incapazes aos olhos dos filhos, a fim de não mais sermos produtivos e apaixonados, levando-os a acreditarem que por envelhecermos, perdemos o gosto de vivenciar tudo quanto gostávamos na nossa juventude.
Bem, aqui em casa é diferente, pois além de não darmos bola para o que pensam ao nosso respeito, ainda seguimos privilegiando e adaptando os prazeres às nossas realidades, que a cada dia, se altera, mas não incapacita.
Deixar de beijar gostoso, mergulhar nas águas mornas de nossa Ponta de Areia, conversar com os pássaros e sentir os perfumes de cada amanhecer, assim como comer delícias e beber com moderação com extremo prazer, serão sempre as tônicas cotidianas, enquanto a vida, assim o quiser.
A tarefa foi difícil, mas nos trouxe muitas felicidades e a sensação gratificante do dever cumprido.

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