sábado, 27 de novembro de 2010

SAUDADE

Carrossel de sonhos e devaneios muito coloridos.
Paixão violenta que devora o não conseguido.
Prisioneira constante das correntes enfreáveis, do rio caudaloso.
Saudade gostosa do cheiro de terra úmida, do silêncio do inexplorado, do ainda não tocado, do quase irreal, do magnífico.
Saí do turbilhão da cidade grande, encontrei-te solitária e bela.
Imediatamente me possuíste de forma total.
Entreguei-me, ávida de emoções ainda não sentidas.
Rolei, predispus-me toda para te receber, e tu vieste devagar, cobrindo meu corpo e nutrindo o meu eu.
Deste-me certamente, muito mais do que esperei de ti.
Ofereceste-me tanto em cada vez em que nos encontramos que tudo ficou nada morreu, nada foi esquecido, mesmo sem te ver a quase 18 anos.
Sei que invadiram o nosso mundo, e que mãos imprudentes tocaram em ti, também fui tocada, como em ti, arrancaram-me hastes de brotos ainda tenros, ferindo muitas vezes as folhas mal formadas de minha alma.
E os meus olhos, tu te lembras?
Redondos e negros, que ficavam horas à fio, te contemplando e adorando.
Estão um pouco ofuscados, pela fumaça das constantes queimadas que como eu, certamente também sofrestes.
Mas incrível a nossa persistência, voltamos sempre a brotar de forma ereta e com novas forças impetuosas, indestrutíveis...
É o que à todos aparenta, mas apenas nós sabemos o quanto perdem a cada queimada.
Somos nós duas, as razões maiores da natureza,ambas temos tanto a oferecer...
Por que as pessoas precisam modificar, tentando moldar a seu bel prazer, tudo que vê e toca?
Não nos esquecemos, porque não nos violamos.
Respeitei o teu verde, o teu frescor, a tua poética solidão.
Respeitastes as minhas carências e a minha inquietude, própria de quem muito quer extrair da vida.
Eu me dei...
E tu, Guapi-Mirim, iluminastes de compreensão a minha adolescência naturalmente confusa.
Tu também te lembras, de nosso primeiro encontro?
Eu tinha 12 anos, magra e frágil enquanto tu lá estavas, firme, gloriosa, apaixonante.
Este foi o início de momentos marcantes na minha vida que guardo com carinho e enormes saudades.
E que saudades...Posso avaliar como ninguém o por quê de tia Hilda sempre ter te amado tanto, fazendo de ti, a favorita.
Ambas nos alimentávamos de teu néctar de paz para podermos conviver, com o lado de fora tão grande e vazio.
Que saudades... Não sei te dizer quantas vezes quis fugir para te encontrar, buscando a tua proteção,inspiração e paz.
Minha Guapi querida, vivo com a tua lembrança, alimento-me dos fragmentos que de ti me restam, após tantos anos de constantes queimadas.
Eu ainda te tenho e isso me basta.

Retirado do livro Força Estranha de minha autoria.
Escrito em 1979, no Hotel Nacional, na cidade do Rio de Janeiro.

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