domingo, 19 de setembro de 2010

T A L E N T O X V O C A Ç Ã O

Ainda lembro do meu primeiro dia de aula como professora primária, lá pelos idos dos anos 60. Naquela época, foram algumas exceções, as moças de “família” estudavam para serem professorinhas e se preparavam na Socila (escola particular de etiqueta social), para se tornarem elegantes esposas. Foi naquela década que começaram, de forma bastante agressiva, as mudanças comportamentais dos jovens, mas lá em casa, bem... o negócio era diferente.
Como única filha mulher e, ainda por cima, “rapa do tacho”, não me foi dada qualquer opção diferenciada, pois a marcação era ferrenha, assim como devo confessar que, de tão desligada e menos ainda arrojada, sequer em algum momento pensei em romper as tradições e o controle acirrado.
Já naquela época, e para falar a verdade desde sempre, estive no mundo da lua, como gostava de dizer minha mãe, pois o que mais me agradava era ficar em estado contemplativo ou simplesmente escrevendo. Hoje, seria considerada uma preguiçosa, sem ambições ou perspectivas, entretanto, eu as tinha, pois no silêncio de minhas viagens de sonhadora contumaz, via-me, por todo o tempo, representando em um palco de teatro, possuindo o mesmo talento da já famosa Fernanda Montenegro e tão linda quanto todas as atrizes que desfilavam diante do portão de minha casa, pois eu morava na Rua Barão da Torre em Ipanema, ali, quase no Jardim de Alá, reduto de artistas e políticos importantes.
Apesar de tantas referências e devaneios, acabei em uma sala de aula do Instituto Claparréde, ensinando para uma turma de 25 alunos da segunda série primária e, pelo amor de Deus, este foi um enorme sacrifício pelo qual precisei sobreviver e, portanto, jurei a mim mesma em minha primeira ação de rebeldia que jamais voltaria a ser professora, porque compreendi naqueles meses de trabalho desesperador que eu não tinha talento e sequer vocação para cuidar da formação de crianças.
E aí, fazer o quê?
Bem, como eu já estava noiva, me casei.
Pois é, neste quesito revelei-me outro fracasso retumbante, o que me salvou foi justo a paciência do marido e o desabrochar de meus talentos domésticos e sociais, até que, com o passar do tempo, fui percebendo graças aos esforços estimuladores de meu parceiro que eu também tinha vocação tanto para ser uma esposa feliz quanto para fazer de minhas escritas uma profissão.
E não foi que deu certo!
Pois bem, estou neste caminho das recordações precisamente para reafirmar que não existe desempenho pessoal ou profissional, seja em que área for, se não houver a união saudável do talento com a vocação.
O talento creio que seja nato em cada criatura humana, seja nisto ou naquilo, no caso específico da profissão de professor, pode ser confundido quando se tem vivacidade, oratória e certa tendência ao exibicionismo.
Já a vocação, percebe-se que se tem ou não quanto ao empenho, paciência, tolerância, dedicação, persistência, enfim, quando o querer é mais forte que as controvérsias e os empecilhos.
Já naquela época, eu cria que precisaria ter um conjunto de qualidades que me qualificasse, pois já intuía quanto à responsabilidade em se preparar crianças, estruturar seus intelectos, perceber suas tendências e direcionar seus potenciais.
Eu precisaria ser uma educadora igualzinha a Professora Ana, que foi minha professora na segunda série, ou como Irmã Cecília, que dedicada e amorosa alfabetizava no Colégio Maria Raythe, e eu e minha inesquecível amiga Margarida, no recreio de nossas aulas, ficávamos observando e muitas vezes colaborando no exercício didático de estagiárias. Havia, também, as minhas inesquecíveis professoras do Curso Normal, Maria, de matemática, que era irmâ da Luiza, de estatística, e que, anos depois, pude compreender que se tornaram meus referenciais quanto a paixão de expressar meus entendimentos educacionais, o que venho por toda a minha vida aperfeiçoando, pois desejo e tenho corrido atrás de uma chance em poder otimizar o despertar de talentos, oferecendo condições para que as vocações se expressem nos jovens às salas de aula na função de mestres, assim como, criar condições receptivas e estimuladoras às crianças para que a escola seja encarada, por elas, verdadeiramente como um local de aprendizado,onde possam se sentir seguras, queridas e principalmente inseridas .
O ato de aprender e ensinar precisa estar associado ao prazer, à alegria, à saúde e, sobretudo, à dignidade de se estar dentro de um processo estimulador quanto as vocações e respeito a cada talento, abrindo espaço para novos horizontes, ao invés de se tornar, como se tornou, uma fábrica de incompetência, intolerâncias, assim como a não inserção de estímulo às opções vocacionais, trouxe como conseqüência que se consolidou em forma de banalização fazendo da educação básica e prioritária, por ser estruturante, uma instituição sem a coluna vertebral saudável, necessária à qualquer civilização.
As mudanças galopantes de valores, associadas ao desenvolvimento meteórico das tecnologias e das ciências, sem que houvesse qualquer tipo de suporte orientador, levou-nos a todos a enveredar por um caminho tortuoso, principalmente no campo da educação, aparentemente sem volta, crendo eu que somente através de uma reeducação lenta e gradativa poder-se-á pensar em um futuro menos negro e derrotista.
Com todos estes parâmetros negativos, a inserção da disciplina do respeito à pessoa como um todo na convivência com ela e com os demais na preparação dos futuros mestres do ensino fundamental, estimulando os seus potenciais naturais, elevando suas auto-estimas e ajudando-os quanto às suas identificações reais de opções vocacionais, torna-se o único caminho capaz de combater a inércia, a incompetência e o pouco caso que vem minando, ao longo de décadas, o relacionamento alunoxprofessor, que é o mesmo que reconhecer o Colégio como um fracasso e, conseqüentemente, o sistema falido, pois a freqüência educacional, quando existente, é fraca, sem estrutura básica e, portanto, aleijada em sua raiz de propósito, gerando assim ao longo do processo desistências imperdoáveis de potenciais possíveis educadores, evasões injustificáveis de alunos desmotivados, assim como de futuros profissionais, em sua maioria despreparados e desestimulados nas carreiras que por ventura tenham abraçado.

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