O corpo frágil repousa sobre as pedras roladas do rio, enquanto os longos cabelos castanhos escuros dançam aos movimentos da água que ultrapassa os limites do corpo, mantendo-o, por todo o tempo, arrepiado, como reação natural de uma temperatura fria e estimulante.
Os olhos, fixos na imensidão de um espaço entrecortado pela vegetação vasta em permanente movimento, criando sombras, imagens sem definição, levando a ofuscamentos constantes, porém nada que um piscar de pálpebras de imediato não resolva.
Os dedos enrugados embranquecem, mas nada de verdade é sentido além do júbilo do instante presente de estar ali, entre o céu e a terra, em uma única vibração amorosa.
Os sons em profusão se integram, formando uma única melodia, anestesiante a todos os demais, cuja sintonia não se integre à toda aquela orquestração da natureza.
O sol, devagarzinho, vai se retirando e a noite vai lentamente tomando o seu espaço, e os sons no mesmo ritmo vão mudando em um novo arranjo melódico, um arrepio mais profundo, um fechar de olhos mais demorado, um movimento de contorção dos membros e um chamamento à distância, são os alertas de que chegara a hora da retirada.
O levantar é agitado e entre pisadas cautelosas, e um agora frio real, a margem é alcançada e a vegetação úmida é pisada pelos pés pequenos, sob pernas ágeis que buscam urgente aquecimento para o corpo gelado de criança.
GUAPI- Cinqüenta anos depois, os olhos ainda ficam marejados frente às colossais recordações que transcendem a mente, invadindo cada célula do corpo, reprisando sensações, liberando o espírito, exatamente como naquela fabulosa época de inocência infantil, que não passou ou morreu com o deslizar do tempo e que permanece se fazendo presente nos momentos mais inesperados, colorindo o feio do cotidiano, iluminando o vazio teimoso que insiste em surpreender quando tudo aparenta normalidade.
Alegria genuína que brota, através do eterno sorriso, permeia o imponderável e, extraindo o néctar do possível ideal, transforma os instantes, em breves maravilhas e o tempo discorrido em apenas um detalhe.
Os pés e as pernas se conservam ágeis em todas as ocasiões em que o sol se transforma em guia de realizações, camuflando as reais limitações que o tempo passado, apresenta de modo cruel. Bendito é todo o armazenamento estrutural de uma infância completa, onde o sol, a noite e o bem natural se fazem ornamentos básicos e, portanto, eternos.
E os dedos dantes enrugados pela água fria, ora se apresentam enrugados pela ação do implacável tempo, mas ainda sensíveis ao toque do belo que pode surgir como nos encantamentos dos contos e das histórias surreais , desprezando a malvada realidade, alisa e sente, fazendo o sangue correr mais forte como outrora, frente ao magnífico desejado.
Os olhos permanecem ariscos, direcionados ao sol e à noite, pesquisando os possíveis, camuflando os impossíveis, deleitando-se com os conseguidos, regozijando-se com os desejados, fazendo deles inspirações à novos rumos sonhadores.
GUAPI- Cheiro de terra úmida de lágrimas orvalhadas, que mantém meus instantes revigorados e meu espírito infinitamente livre.
Regina Carvalho, em parceria com:
Adolf Bloch
Como Jornalista tenaz, proseador contumaz, apraza-me, companheira de vida constante.
13 de setembro de 2010, 19.31hs.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
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