quinta-feira, 7 de novembro de 2024

¨Serenade¨

De pau pra cacete em um estalar de dedos, sem qualquer preparação mental, vou de Agnaldo Rayol a Franz Schubert e sua obra romântica,¨Serenade¨, num piscar de olhos.

E nessa inconstância, reside uma profunda fidelidade ao belo e fascinante que impulsivamente, sempre me remete ao melhor, seja lá do que for.

Assim, nesta pressa mental em correr contra o tempo que sempre me parece apressado e findo, desde que me entendo por gente, as memórias pululam, provavelmente para que eu possa buscar explicações de mim, afim de compreender o que sou. 


Neste instante, vejo-me ainda na adolescência diante do espelho, medindo-me dos pés à cabeça, mas principalmente, querendo aprovar ou não o último vestido que minha mãe, cuidadosamente, acabara de modelar em meu corpo, afinal, era mais um dos muitos elegantes vestidos doados pela tia Nair, por estar renovando o seu rico guarda-roupa.

Ainda me lembro...Era de fino veludo caramelo escuro, tendo um corte abaixo dos seios e então, surgia o corpete do mais fino Guipure (renda)na cor beje. 

Ter tias ricas e viajadas era sensacional, afinal, tia Nair, doava-me vestidos e tia Hilda, emprestava-me suas lindas joias e peles e assim, eu andava impecável nos bailes das formaturas dos finais de ano, que aconteciam, geralmente no hotel Glória.

Também, tia Nair sedia carro e motorista para que eu chegasse e saísse, no mais alto estilo, afim de impressionar e aí, atrair bons partidos...

Pensando na época e ainda hoje, tudo era muito ridículo, mas era o costume nas famílias classe média cariocas, portanto, como esperar que eu não me tornasse, exigente com a minha aparência, mesmo tendo uma essência absolutamente simples e despojada?

Confusão mental, foi o que não me faltou e ainda hoje, este é um conflito com o qual, preciso conviver, acrescido do fato de não mais ter tias para me abastecer destes requisitos estéticos, mas ainda assim, sentir que preciso me apresentar bonitinha e bem arrumada.

Penso então, que provavelmente o que mais eu sinta falta, sejam dos perfumes, que usei a vida inteira e que agora, “Jesus”, impossíveis de serem comprados ou substituídos, afinal, sou pobre, mas, absurdamente tradicional e exigente.

“Se não posso usufruir do melhor, seja lá do que for, não sofro, não lamento, mas também, não aceito consolações de baixa qualidade”

Delícias são as lembranças que de tão poderosas, são capazes de me fazerem acreditar que de tanto usá-los, incorporaram-se em mim.

Dou uma cheiradinha aqui, outra ali, e inevitavelmente, sinto-os e então, sorrio, achando-me a mulher mais cheirosa deste mundo...

Simples assim...

Regina Carvalho- 7.11.2024 Itaparica

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