domingo, 19 de janeiro de 2020
ETERNIDADE
Muito esquisito é esse tal de envelhecimento, que só percebemos quando o safado espelho nos escancara em imagens distorcidas, ou quando das sucessivas negações físicas, contrariando a mente que, por sua vez, continua mais do que nunca atuante e bem-disposta, lembrando-nos de situações que, magistralmente, passamos a vida disfarçando, e pior, desconsiderando, já que envelhecemos dia após dia, desde que nascemos.
De uns tempos para cá, ando pensando muito na sacanagem de ter que morrer, também contrariando toda a minha convicção de uma vida inteirinha escrevendo e discursando sobre a vida eterna, através das infindáveis mutações biológicas e na reciclagem contínua das energias destas matérias.
Pois é... Sacanagem, mesmo quando, me esbaldando nas águas mornas e tranquilas de minha Itaparica, penso que meu tempo está findando e sou invadida por uma raiva contida, já que até pouco tempo atrás, nem passava pela minha cabeça a possibilidade dessa tal finitude, filha de uma mãe desconjurada que insiste em rondar-me como um fantasma gozador, que ainda por cima escarneia, estimulando a minha tenacidade em manter-me atuante e disposta à vencê-la o máximo de tempo possível, levando-me a acreditar que tenho muito ainda para experimentar, com toda esta bagagem bendita de aprendizado.
O que eu gostaria era de ser eterna para abraçar o mundo, corrigindo as passadas mal dadas, desviando-me das estradas esburacadas, sorvendo com mais interesse os sinais que, indiscutivelmente, sempre recebi através dos meus sentidos e que, tolamente, na arrogância de uma suposta eterna juventude, desconsiderei inúmeras vezes, achando que o tempo sempre estaria ao meu dispor.
Safado é este envelhecimento inútil que sequer serve de consolo, afinal, o prêmio por ter sobrevivido à jornada será deixar esta vida incrível, que eu, simplesmente, amo e amo sem medidas!
Concluo que a melhor solução para continuar convivendo com a velhice e o inevitável fim, seja mergulhar cada vez mais fundo nas infinitas surpresas que os atos contínuos de viver apresentam, sem deixar que o meu cotidiano seja empanado um só instante, já que tem se apresentado sempre leve e bonito, aproveitando o máximo possível destes encantos que são fascinantes e que infinitas vezes deixei de apreciar, e assim, conscientemente, estarei dando seguidas rasteiras na safada velhice, tornando meus instantes, eternos.
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