AS CIGARRAS
Lá estava o galho
da amendoeira, parceira dos meus cotidianos que sem pedir licença, porque
simplesmente jamais precisou, pois, sempre fez parte do cenário de meu
quartinho da Barão da Torre, onde comecei a tecer as malhas de meus sonhos
infantis e meus ideais de adolescente, mas também a mesma amendoeira, cujo
galho mais firme pela passagem do tempo, testemunhou a menina se tornar mulher.
Quantos registros,
quanta cumplicidade, infinitas trocas silenciosas de uma profunda amizade que
não satisfeita, ainda foi por todo o tempo, residência oficial das cigarras que
de sua escora segura, garantia o palco perfeito para que elas, pudessem me deliciar
com seus shows de canto longo e derradeiro.
Benditas cigarras
que depois de bem sequinhas, deixavam-se cair no peitoril da janela, para que
eu solidária, pudesse depois, repousá-las nas terras dos canteiros do jardim,
fazendo das roseiras, das margaridas e das samambaias, suas moradas finais, não
sem antes, alisar suas transparentes e delicadas asas, desejando também tê-las,
assim como o seu poder de canto, mesmo que por apenas instantes de glória,
ensinando-me silenciosamente a importância do magnífico e seu espaço no tempo.
Como não associar
as brevidades das cigarras com a instantaneidade da paixão, do gozo e da
plenitude que vamos armazenando e forjando o que somos?
Bendito galho da
amendoeira que atravessou muro e varanda, vindo da casa da vizinha, tão somente
para me fazer companhia e para servir de pouso encantado das muitas cigarras
que insistiram em poetizar a minha alma de apenas uma menina que se eternizou
em mim.
E aí, como posso
buscar Deus entre quatro paredes se o vejo a cada instante, no espaço livre de
minha mente ágil?
Se o encontro nas
árvores, nos frutos, no solo e no olhar de todo aquele que mesmo sem pedir
licença, adentra em mim com seus cantos, texturas, aromas e sabores.
Benditas cigarras
que se não pude copiar no canto, me inspiraram nos versos das infinitas emoções.
Regina Carvalho.
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