domingo, 23 de junho de 2019

REBOBINANDO A MENTE



 Eu tinha apenas quatorze anos, quando os militares assumiram o poder, atendendo ao clamor popular, de parte dos políticos e dos empresários de áreas variadas de nosso país.
Lá em casa e mesmo na família de um modo geral, nada se alterou, além de um pequeno período de corre-corre social pelo receio do desabastecimento de alimentos, levando as famílias a enfrentarem filas quilométricas, pois havia um limite máximo na compra dos mesmos. No mais, não tenho lembranças de qualquer outra alteração em nossa rotina, ressaltando que o mesmo não ocorria com um bom número de cariocas, que se viam inseridos em problemas relacionados à política, sofrendo com desaparecimentos, prisões e até execuções de algum dos seus familiares.
Nessa época, minha mente já estava voltada aos meus escritos, minhas amizades e a rotina de estudante, isso sem esquecer de que também dava os primeiros olhares de admiração em relação aos meninos, num despertamento absolutamente natural e saudável. Às vezes, ouvia meu pai fazer algum comentário enfático a respeito dos comunistas que tentavam se infiltrar no comando do país, sem esconder sua revolta, e só, pois somente em 1971, já morando em Brasília e trabalhando em um jornal diário de grande circulação, é que comecei a sentir bem próximo a divisão de opiniões políticas e a conhecer as posturas dos militares e dos civis, assim como seus efeitos no todo social.
Então, ao invés de optar por um lado e nele me inserir como cidadã e profissional, optei em conhecer melhor tanto um como o outro, na prática de seus discursos, assim como seus efeitos na coletividade. Na realidade, pensando agora enquanto escrevo, reconheço que não havia em mim a consciência desta opção, apenas fui seguindo minhas intuições, até porque, jamais gostei de grupos fosse lá do que fosse, confessando que sempre fui meio arredia, preferindo a contemplação e o exercício do pensar.
Toda esta introdução para dizer que o lúdico sistema socialista, a meu ver, apaixona e arrebanha para si todas as pessoas que possuem seus sensitivos mais expressivos, e é claro que não escapei deste atrativo, pois desnuda o melhor dos propósitos humanos, todavia, não há senso socialista que resista à arrogância e prepotência emocional, que como cruéis guerreiros extremamente poderosos, arrastam toda sublime intenção em favor da coletividade, para a necessidade genuinamente crua do “eu primeiro” sempre, e aí, a brecha mental se expande, dando passagem à vaidade, senhora absoluta da inconstância, capaz de aniquilar toda e qualquer visão e propósitos de um todo humanitário; e não demorou muito para eu lembrar das palavras de meu pai ao comprová-las na prática do convívio.
Como todo e qualquer jovem bem intencionado, passei pela fase da revolta diante das constantes decepções e aos poucos, ainda inconscientemente, fui abastecendo a minha harmonia de entendimentos, utilizando a bagagem naturalista e consequentemente existencial que havia sido abastecida através da minha esquisitice em buscar por quase todo o tempo o conhecimento da criatura humana e suas ações e reações, através da contemplação comparativa entre o comportamento do homem em relação ao comportamento dos demais seres vivos com os quais convivi ou li a respeito, ressaltando que ao homem há o dispositivo racional que deveria fazer dele um ser mais completo e verdadeiramente humano, independentemente de suas simpatias e escolhas políticas.


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