Eu tinha apenas quatorze anos, quando os militares
assumiram o poder, atendendo ao clamor popular, de parte dos políticos e dos empresários
de áreas variadas de nosso país.
Lá em casa e
mesmo na família de um modo geral, nada se alterou, além de um pequeno período
de corre-corre social pelo receio do desabastecimento de alimentos, levando as
famílias a enfrentarem filas quilométricas, pois havia um limite máximo na
compra dos mesmos. No mais, não tenho lembranças de qualquer outra alteração em
nossa rotina, ressaltando que o mesmo não ocorria com um bom número de
cariocas, que se viam inseridos em problemas relacionados à política, sofrendo com
desaparecimentos, prisões e até execuções de algum dos seus familiares.
Nessa época,
minha mente já estava voltada aos meus escritos, minhas amizades e a rotina de
estudante, isso sem esquecer de que também dava os primeiros olhares de admiração
em relação aos meninos, num despertamento absolutamente natural e saudável. Às
vezes, ouvia meu pai fazer algum comentário enfático a respeito dos comunistas
que tentavam se infiltrar no comando do país, sem esconder sua revolta, e só,
pois somente em 1971, já morando em Brasília e trabalhando em um jornal diário de
grande circulação, é que comecei a sentir bem próximo a divisão de opiniões
políticas e a conhecer as posturas dos militares e dos civis, assim como seus
efeitos no todo social.
Então, ao
invés de optar por um lado e nele me inserir como cidadã e profissional, optei
em conhecer melhor tanto um como o outro, na prática de seus discursos, assim
como seus efeitos na coletividade. Na realidade, pensando agora enquanto
escrevo, reconheço que não havia em mim a consciência desta opção, apenas fui
seguindo minhas intuições, até porque, jamais gostei de grupos fosse lá do que fosse,
confessando que sempre fui meio arredia, preferindo a contemplação e o
exercício do pensar.
Toda esta introdução
para dizer que o lúdico sistema socialista, a meu ver, apaixona e arrebanha
para si todas as pessoas que possuem seus sensitivos mais expressivos, e é
claro que não escapei deste atrativo, pois desnuda o melhor dos propósitos
humanos, todavia, não há senso socialista que resista à arrogância e
prepotência emocional, que como cruéis guerreiros extremamente poderosos,
arrastam toda sublime intenção em favor da coletividade, para a necessidade genuinamente
crua do “eu primeiro” sempre, e aí, a brecha mental se expande, dando passagem à
vaidade, senhora absoluta da inconstância, capaz de aniquilar toda e qualquer
visão e propósitos de um todo humanitário; e não demorou muito para eu lembrar
das palavras de meu pai ao comprová-las na prática do convívio.
Como todo e
qualquer jovem bem intencionado, passei pela fase da revolta diante das
constantes decepções e aos poucos, ainda inconscientemente, fui abastecendo a
minha harmonia de entendimentos, utilizando a bagagem naturalista e
consequentemente existencial que havia sido abastecida através da minha
esquisitice em buscar por quase todo o tempo o conhecimento da criatura humana
e suas ações e reações, através da contemplação comparativa entre o comportamento
do homem em relação ao comportamento dos demais seres vivos com os quais
convivi ou li a respeito, ressaltando que ao homem há o dispositivo racional
que deveria fazer dele um ser mais completo e verdadeiramente humano,
independentemente de suas simpatias e escolhas políticas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário