segunda-feira, 18 de outubro de 2010

CHAMAM DE MÚSICA

O vizinho inoportuno ligou o seu som nas alturas, desconsiderando o fato de que o seu gosto musical pode não ser o mesmo de seus vizinhos, além de que nem são sete horas da manhã e, por ser domingo, as pessoas possam querer dormir mais um pouquinho.
A profusão de sons oriundos dos pássaros que rotineiramente neste horário estão apresentando seus cânticos matinais, hoje em um esforço, imagino, enorme para não serem afugentados, porque, afinal, fica difícil conciliar qualquer acorde com este amontoado de notas desconexas que chamam de música, assim como estas palavras agrupadas que chamam de versos e letras musicais.
Que coisa, heim!
Uma ilha deserta, em certos momentos, pode parecer o ideal a ser atingido. Pois, não importa a idade que se tenha, fica-se tentado em certos momentos, como neste agora, a ir-se em disparada em busca de um pouco de silêncio.
Silêncio de gente e de todas as suas parafernálias, ditas progressistas.
E aí, volto às lembranças de minha infância e revejo os tios de Lina, mineirinha minha amiga, que todos os anos ia passar as férias de final de ano no Rio e, por eles serem meus vizinhos, durante anos até as sua mortes pude conviver com ela e com eles.
Bem, o que isto tem a haver com o som alto do vizinho e o meu desejo de fugir ao encontro de sossego?
Tudo, por que me lembrei do quarto que eles tinham, totalmente revestido de cortiça, justo para isolar o som e, que na época, pareceu-me um absurdo.
Busco na lembrança os detalhes e até sinto arrepios como senti exatamente no momento em que adentrei naquele recinto, que pareceu aos olhinhos e percepção de uma menina com pouco mais de 10 anos, um labirinto provocador de medos e calafrios, se bem que o ar condicionado estava ligado e a luz mortiça fazia o complemento fantasmagórico que muito contribuiu para futuros medos que me assombraram vida afora.
Neste instante, se eu tivesse um quarto igual ao deles, será que eu me isolaria nele?
Será que abandonaria o calor ainda ameno deste sol de primavera para fugir do inadequado e assim perder todo um restante de vida e liberdade?
Será que me permitiria fugir de uma convivência desastrosa em função de tão somente não ter que engolir tudo quanto me desagrada ou faria como fazem os pássaros, que permanecem firmes, cantando, seguindo seus destinos de apenas existirem, exercendo cada qual o seu papel em meio à diversidade que os cerca, sem, no entanto, se permitirem contaminar?
Certamente que não, afinal entre um turbilhão de vizinhos, digamos, musicais, existem sempre aqueles silenciosos, cujos sorrisos de bom dia fazem compensar as agruras e, com certeza, afugentam de nós qualquer desejo de fuga, ao nos lembrarem com um simples gesto de cortesia que viver e conviver vale sempre a pena, mesmo que venha ao som de algo indefinido que chamam de música, logo cedinho, às sete horas da manhã.
Bom Dia !

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