terça-feira, 20 de abril de 2010

INDIVISIVELMENTE SÓ

Estou diante do computador pensando que estou tão afastada a tantos anos do agito das grandes cidades que às vezes é como se eu tivesse passado os últimos vinte anos hibernando dentro de cavernas confortáveis, seguras, mas absolutamente fora da realidade sistêmica, que, afinal, faz com que pessoas, como eu, escrevam compulsivamente, no anseio quase que perverso de a tudo registrar, como se nossa fosse a responsabilidade em manter atualizados os arquivos históricos da vida e de seus elementos.
Esta visão, entretanto, não condiz com a realidade, a não ser em se tratando de volume, já que as apresentações estereotipadas, em sua maioria, são proporcionais ao espaço disponível, pelo menos até há cerca de alguns anos atrás, pois tenho observado que quanto menos desenvolvido é um município, tal qual as periferias das grandes cidades, maior é a concentração de pessoas e, conseqüentemente, de problemas e, é claro, de assunto para pessoas como eu ter o que escrever.
Claro que estou sendo cruel comigo nesta análise, mas todo cronista o é na retratação do cotidiano, caso contrário não seria possível permanecer atento e muito menos descritivo nos detalhes aparentemente óbvios, mas que a grande maioria não se atém e muito menos é capaz de reproduzir, seja falando ou escrevendo. Afinal, a crueldade reside no enfrentamento com a realidade, ação mental bem aquém da maioria das criaturas humanas, que preferem até mesmo por pura proteção ao medo de se verem também capazes de protagonizar cenas de qualquer natureza que não esteja adequada ao personagem que lhe foi conferido através de sua formação pessoal.
A postura de simples telespectador, ou no máximo de coadjuvante, será sempre a opção mais confortável, daí talvez sejam poucos os, assim como eu, que oferecem suas carinhas a tapas em constantes enfrentamentos pessoais com o externo e, principalmente, com o próprio interior em permanentes questionamentos, a fim de se traçar perfis mais condizentes com a possibilidade palpável de envolvimento a que qualquer pessoa, indiferente à sua formação, é capaz de se inserir se oportunidade tivesse.
Creio que o legítimo cronista, aquele que consegue ir fundo no âmago das questões, é sempre aquele que mergulha na alma humana, a começar por si mesmo, sem qualquer pudor, descortinando sem piedade seus infinitos fantasmas, reconhecendo-os fatalmente no outro que tão impiedosamente retrata.
E aí, após algumas palavras, percebo que, espertamente, fugi do assunto inicial, justo porque na hibernação interiorana, o perigo de se tornar repetitivo é gigantesco, exatamente pela escassez de personagens, bem como pela falta de criatividade, pois os textos vivenciais são limitados aos conhecimentos básicos de sobrevivência, mais uma vez igualzinho a qualquer outro lugar, levando gente como eu, fanáticos compulsivos, a recorrer a uma saída triunfal pela falta de assunto, buscando apresentar aspectos psicológicos, ou seria mais apropriado, sociológico ou a qualquer outro lógico raciocínio patológico do comportamento humano, criando, assim, uma capa antes de tudo camuflativa da própria e cruel realidade de não ter encontrado absolutamente nada de novo para escrever, nesta manhã maravilhosa que acaba de nascer, fazendo de mim, neste instante, também um pouco poeta, para então justificar o fato mais que real da quase inutilidade conceitual deste meu talento cruel.
Sim, porque afinal, quem de verdade quer enxergar realidades, tendo a disposição o lúdico televisivo,literário e cibernético?
O exemplo mais real desta minha mais que cruel afirmação é justo os programas virtuais de relacionamentos, onde somos todos capazes de nos relacionar simpaticamente,sem qualquer compromisso seja com a verdade ou com a mentira sobre nós mesmos,fazendo de contas que nos satisfazemos com o potencial vastíssimo de amigos e amores,de sexo e distrações variadas,cada vez mais nos tornando dependentes destes afagos online,na tentativa sempre frustrante de compensarmos o doloroso vazio que nos magoa e que tem assustadoramente nos transformado em solitários existenciais.
Ah! Que saudade dos papos descompromissados no portão da minha ou da sua casa, depois do jantar,preâmbulo de um fim de noite que em um certo dia passamos a chamar de hep hall e que nos levou para o bar da esquina de onde trabalhamos e irremediavelmente, nos afastou de nossas famílias e de nossos vizinhos.
Dura realidade que foge-se de se pensar, mas que para gente como eu,cronista F.D.P,é café pequeno,apenas mais um assunto para papear e cá pra nós,que mais ninguém me ouça,pois a pura realidade é que descobri em algum momento que não sei bem quando que, para não correr o risco de me sentir solitária,teria que me transformar em cronista,geradora de assuntos,mesmo como agora que afinal,não existia nenhum,para ter um pouco de atenção e me sentir plenamente existindo na cruel realidade de saber que somos por todo o tempo,indivisivelmente só.
Bom Dia!!!!

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