Esta frase consoladora, se bem observada, leva-nos a pensar
no quanto Deus com seus costumeiros atrasos é capaz de deixar populações
inteiras absolutamente abandonadas à própria sorte, enquanto uma reduzida
parcela da raça humana esbalda-se.
Leva-nos também a refletir no quanto de refrãos imaginários
somos capazes de repetir sem que haja qualquer correlação com a realidade
presente, além de servirem única e exclusivamente como muletas vivenciais, onde
verdadeiramente não reside qualquer conteúdo, seja regenerador ou educador que
nos direcione a uma caminhada existencial mais lúcida e coerente com a
grandiosidade da vida.
Penso então que é exatamente neste ponto que nós criaturinhas
humanas nos atemos, pois quem, afinal, deseja qualquer relação mais íntima com
a realidade?
Buscamos o lúdico, o que transcende com insistência em nosso
cotidiano, exatamente porque somos, na maioria das vezes, incapazes de aceitar
nossas realidades, fazendo então do etéreo, nosso amparo existencial.
Do ilógico, fazemos o nosso folclore pessoal, até porque, há
muito percebemos que dá certo, que marca ponto e atrai adeptos.
Infeliz de nós que mergulharmos nossas cabeças nas poças dos
mistérios de quaisquer naturezas que fujam à realidade, porque, aí sim,
transformamo-nos em fantasmas existenciais, vagando sem qualquer relação mais
íntima com toda uma grandeza de sentidos e sentimentos que são capazes de nos
levar ao mais doloroso dos desesperos, assim como nos faz vibrar, amar e nos
deliciar com tudo o mais de bom e agradável que formos capazes de extrair desta
experiência fantástica, emocionante e real de nos sentirmos vivendo.
Ao pensar no Deus que tarda, lembro-me da miséria, da fome,
do flagelo humano.
Ao pensar que ele não falta, reconheço-me como uma covarde e
maldosa criatura que se esconde no irreal, camuflando a culpa pessoal de não
saber fazer nada prático, para suprir o medo e a dor que assola grande parte da
minha própria humanidade.
Humanidade esta, que ainda tem que admitir, não ser capaz de
fazer seja lá o que for para esconder a vergonha de conviver bem de pertinho com
o que se tornou feio, pobre e esquecido, justo porque Deus em seu costumeiro
atraso deixou faltar isto, aquilo ou praticamente tudo, abrindo lacunas
indeléveis nas existências desgraçadas de muitos dos meus pares existenciais e
no meu cotidiano de criatura enfraquecida, perdida e desesperada, que busca o
alento das retóricas costumeiras, para se sentir forte, saudável, solidária...
Pensando em tudo isto e muito mais, despeço-me neste
instante sem o Deus, porque, afinal, ele está atrasado, mas com a esperança de
que em algum momento, ele chegue, trazendo-me o alívio para esta minha covardia
em usar seu nome com toda a autonomia de quem sabe das coisas, mas não faz
coisa alguma.
Regina Carvalho – 11-10-2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário