A porta da
sala está semiaberta e, então, posso ver o sabiá, sem qualquer cerimônia,
comendo a ração dos cachorros e vez por outra levando um grão consigo. Ele vai
e volta e me chama a atenção, pois arrasta com seu pousar desastrado a vasilha
de ração. Tenho a impressão que ele me vê e de alguma forma não só se exibe,
como também desafia-me por todo o tempo.
Olho pela
janela e já não vejo, como nos dias anteriores, o vento farfalhando os
coqueiros e fazendo os galhos da mangueira dançarem, apenas chove fininho e
somente o pé de amoras, pelas suas hastes finas e longas, é que desenha linhas
imaginárias no espaço, talvez, penso eu, no auge de meu egocentrismo,
dizendo-me:
- Olá,
Regina, estou carregadinha de frutas fresquinhas, venha, delicie-se.
Pois é...
foi por esta e por outras que há uns 25 anos um certo vizinho, que já morreu,
lá do Bairro Pampulha, em Belo Horizonte, onde vivi por muitos anos, ao
ouvir-me conversando com as plantas, e até beijá-las, enquanto as aguava nos
finais dos dias, comentou em alto e bom som com alguém de sua casa:
- Veja! Ela
é maluca, fala sozinha.
Não pude
deixar de ouvir, de rir e até concordei, afinal, enquanto a maioria, depois de
um dia de trabalho, se postava diante da TV ou coisa parecida, lá estava eu
conversando (para ele) com o nada.
Neste
momento, interrompo este episódio para registrar o retorno do sabiá, que trouxe
consigo mais dois companheiros, fazendo a maior arruaça. Adoro vê-los dividindo
o farnel com os meus cachorrinhos.
Às vezes,
creio que se observássemos com mais atenção os animais e as plantas, emsuas
linguagens corporais, provavelmente seríamos pessoas menos complicadas e
conviveríamos mais harmoniosamente com o diferente e até mesmo com o contrário, porque teríamos a chance de
descobrir no outro belezas e perfumes, ou apenas um aspecto interessante que
poderíamos agregar às nossas experiências existenciais.
Mas somos,
na maior parte do tempo, tolos preconceituosos, fechados em conceitos que em
sua maioria sequer sabemos de onde vieram, por que os adotamos e muitomenos para
que têm nos servido.
E aí, como o
meu vizinho, a morte chega precoce em forma de um AVC.
Surpreendente?
Não sei...
Tudo que sei, que mesmo maluca, estou hoje completando 62 anos, ainda
conversando e beijando as plantas e os animais, e não dando a mínima bola
quando dizem que sou doida.
Bendita
loucura que me faz viver, amar e sonhar.
Bendita
loucura que me permite ainda observar os sabiás e o farfalhar dos coqueiros.
Homenagem a Moisés Abrantes, amigo e parceiro de toda uma vida.
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