segunda-feira, 21 de novembro de 2011

BENDITA LOUCURA

A porta da sala está semiaberta e, então, posso ver o sabiá, sem qualquer cerimônia, comendo a ração dos cachorros e vez por outra levando um grão consigo. Ele vai e volta e me chama a atenção, pois arrasta com seu pousar desastrado a vasilha de ração. Tenho a impressão que ele me vê e de alguma forma não só se exibe, como também desafia-me por todo o tempo.

Olho pela janela e já não vejo, como nos dias anteriores, o vento farfalhando os coqueiros e fazendo os galhos da mangueira dançarem, apenas chove fininho e somente o pé de amoras, pelas suas hastes finas e longas, é que desenha linhas  imaginárias no espaço, talvez, penso eu, no auge de meu egocentrismo, dizendo-me:

- Olá, Regina, estou carregadinha de frutas fresquinhas, venha, delicie-se.

Pois é... foi por esta e por outras que há uns 25 anos um certo vizinho, que já morreu, lá do Bairro Pampulha, em Belo Horizonte, onde vivi por muitos anos, ao ouvir-me conversando com as plantas, e até beijá-las, enquanto as aguava nos finais dos dias, comentou em alto e bom som com alguém de sua casa:

- Veja! Ela é maluca, fala sozinha.

Não pude deixar de ouvir, de rir e até concordei, afinal, enquanto a maioria, depois de um dia de trabalho, se postava diante da TV ou coisa parecida, lá estava eu conversando (para ele) com o nada.

Neste momento, interrompo este episódio para registrar o retorno do sabiá, que trouxe consigo mais dois companheiros, fazendo a maior arruaça. Adoro vê-los dividindo o farnel com os meus cachorrinhos.

Às vezes, creio que se observássemos com mais atenção os animais e as plantas, em  suas linguagens corporais, provavelmente seríamos pessoas menos complicadas e conviveríamos mais harmoniosamente com o diferente e até mesmo  com o contrário, porque teríamos a chance de descobrir no outro belezas e perfumes, ou apenas um aspecto interessante que poderíamos agregar às nossas experiências existenciais.

Mas somos, na maior parte do tempo, tolos preconceituosos, fechados em conceitos que em sua maioria sequer sabemos de onde vieram, por que os adotamos e muito  menos para que têm nos servido.

E aí, como o meu vizinho, a morte chega precoce em forma de um AVC.

Surpreendente?

Não sei... Tudo que sei, que mesmo maluca, estou hoje completando 62 anos, ainda conversando e beijando as plantas e os animais, e não dando a mínima bola quando dizem que sou doida.

Bendita loucura que me faz viver, amar e sonhar.

Bendita loucura que me permite ainda observar os sabiás e o farfalhar dos coqueiros.

Homenagem a Moisés Abrantes, amigo e parceiro de toda uma vida.

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