Comecei o meu dia exatamente como começo os anteriores, ou
seja, acordando pela madrugada, abrindo as portas e janelas, e deixando a vida
e os ruídos do silêncio quase que absoluto adentrarem, despertando em mim a gratidão
continuada por estar viva, então, agradeço escrevendo, rezando e conversando
com Deus.
E foi neste hábito disciplinar que, ao longo de minha vida,
fui também percebendo, primeiro com imenso medo e aos poucos em um relacionamento
íntimo que, este Deus, em mim residia e que ao contrário do que me ensinaram,
ele era amigo, conciliador, estimulador e, acima de tudo, um professor incansável
que aplicava uma única matéria de forma
simples, mas objetiva, abrindo para mim um poderoso espaço onde, então, eu
poderia criar, desenhando e colorindo meu vivenciar, podendo inclusive corrigir
meus erros, discutir minhas dúvidas, articular e projetar meus ideais.
Aos poucos fui relaxando e aprendendo a conviver com este
mestre que, eu também descobri, não saia de perto, oferecendo a cada instante ,
subsídios para que eu pudesse extrair de mim mesma a compreensão, em primeiro
lugar de minhas intenções, para, então, seguir meus rumos, mais consciente de
meus objetivos.
Confesso que não foi fácil, existindo inclusive momentos de
profundo terror, porque, afinal, tudo era consciente, sem subterfúgios, sem
qualquer camuflagem, e nem sempre gostei do que vi em meu interior, que também
a cada instante presente eu repassava aos demais e, consequentemente, recebia
deles os efeitos de minhas próprias emanações, tipo, ação e reação.
Parece hoje, escrevendo sobre isto, que tudo foi assim, num
estalar de dedos.
Qual nada... Foram precisos milhares de instantes onde a dor,
o medo, a insegurança, os vícios comportamentais se faziam presentes, levando-me
a pensar que, afinal, eu estava era
enlouquecendo.
E talvez eu estivesse, só que enlouquecendo por ter que lidar
com minhas distorções e com um Deus com o qual eu estava habituada a só
encontrar nas igrejas, citações e cartazes, e que de repente...
Será mesmo que foi assim de repente, ou apenas em algum
momento, mesmo inconscientemente, abriu-se em minha mente uma brecha e, por lá,
a vida adentrou e se mostrou na figura de um Deus universal de mim mesma?
Não sei bem quando, nem onde, mas que ele adentrou em mim, ou
sempre esteve lá e eu é que não queria ou não podia vê-lo talvez seja a conclusão
mais lógica.
E foi, isto tenho certeza, nas madrugadas na companhia do
bendito silêncio que fui descobrindo a verdadeira morada deste Deus, tão
falado, tão buscado, mas absolutamente desconhecido em sua originalidade e
poder.
Fiz toda esta introdução porque eu precisaria registrar o
descortinamento deste Deus meu interior que venho convivendo há décadas, mas
que ontem se mostrou por inteiro, refletindo-se com uma clareza impensável a
esta simples senhora no seu cotidiano vivencial.
Meu Deus, que também chamo de consciência ou lógica, ontem
por algum smotivo deixou-se enxergar sem qualquer camuflagem e de tal forma que
não houve tempo hábil para eu ir assimilando sua presença, afinal, meu Deus
ontem estava com pressa em me fazer enxergar cada situação sem retoques ou
firulas, e novamente confesso que fui tomada por um espanto que chegou a me paralisar
fisicamente, o que liberou ainda mais minha capacidade assimiladora e pude
finalmente enxergar com os olhos límpidos do meu Deus interior todas as nuances
distorcidas que rodeiam e opacam os relacionamentos humanos, tirando de forma
indelével a grandiosidade do potencial de cada criatura em ser a cada instante presente, senhora de si mesma e
consequente amparo para as demais.
Ontem, pude ainda compreender também sem quaisquer dúvidas a
frase supostamente dita por Jesus: “Amai
o teu próximo como a ti mesmo”.
E neste amor, torna-se imperioso a generosidade do perdão
pelas falhas existentes, assim como a tenacidade em buscar-se o necessário
entendimento entre o Deus e o Diabo que habitam a mesma morada chamada de
interior humano, que na realidade se manifesta atuando por todo o tempo onde há
vida.
São os sentidos e a mente, parafernálias complexas quais que
interagem e se modelam, delineando os simbolismos do Deus e do Diabo, com as
quais as criaturas se habilitam no convívio umas com as outras.
Ontem, esta realidade se mostrou tão clara, que a mim não
coube qualquer dúvida, levando-me a um misto de excitação mental e paz
existencial.
Como é possível isto acontecer? Como alguém pode descortinar
seu Deus, recebendo-o em seu raciocínio lógico com tanta precisão e ao mesmo
tempo não sentir qualquer mal-estar físico ou emocional?
É possível somente quando os critérios avaliativos se consolidam
e a criatura, como aconteceu no dia de ontem comigo, se vê frente a frente com
o seu Deus e o abraça na certeza incontestável de que juntos, todo o resto do
caminho se tornará mais suave, transformando a bagagem dos anos já vivenciados
em um fardo que, de tão leve, não mais o impedirá e sequer pesará no seguir de
sua própria jornada.
Este encontro torna-se extraordinariamente diferente, assim
como sem quaisquer restrições, exatamente porque o nosso Deus se posiciona como
um parceiro de tarefas sem qualquer inserção imaginativa, tão somente com a
lógica do respeito ao entendimento das diferenças, fazendo com que, dali em
diante, desapareçam as críticas ao não entendido, porque tudo passa a ser
entendido dentro da visão de um Deus universal, que como ontem me transformou,
fazendo-me não fugir ou temer a mim mesma e consequentemente ao reconhecimento
dos demais.
Hoje o dia está começando a desabrochar, estou longe de meus
pássaros e jardim, dos meus cães e dos meus aromas, mais ainda assim, sinto e
agradeço ao meu Deus interior que generoso me acompanha como um fiel escudeiro,
decodificador de minhas distorções, pai amigo para o meu sempre aprendizado.
Regina Carvalho/ 06 03/2015.
SAJ- Ba.
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