domingo, 14 de agosto de 2011

DÓCIL, ALEGRE, MUSICAL...

Em todas as vezes que subi em palanques para fazer discurso político, foquei minhas intenções e palavras no intuito de fazer com que uma centelha, por menor que fosse, fizesse com que as pessoas que me viam também me ouvissem, não apenas para votar neste ou naquele candidato com o qual eu estava ligada, mas à realidade cruel com a qual todos, inclusive eu, vivenciam sem que haja qualquer consciência cidadã.
O processo de falência institucional vem acontecendo desde sempre, entretanto, nos últimos quase dez anos tornou-se expressivamente ofensivo, esmagando qualquer resquício de soberania democrática, travestido de um populismo envolvente e devastador.
Como um povo dócil, alegre e musical fomos permitindo os excessos e com eles passamos a conviver, instituindo uma nova versão de posturas administrativas corruptas, enxergando-as como práticas absolutamente normais, afinal justificávamos à nós mesmos:
- Sempre foi assim, pelo menos, agora, posso ver e saber quem é, pois nada mais fica escondido.
Pois é... por não precisar mais sentir qualquer pudor em ser chamado de ladrão constitucional, popularizamos o descaramento, instituímos a banalização e, em dado momento, perdemos o controle do certo e do errado, misturamos os objetivos com os quais cada instituição deveria honrar os direitos civis e chegamos a este pandemônio administrativo e consequentemente social em que nos encontramos hoje.
Há algumas eleições deixamos de estar com esperanças para simplesmente cumprirmos uma obrigação, sem que haja qualquer consciência cívica ou respeito a este ou aquele candidato.
Na realidade, nunca o voto de cabresto esteve tão expressivamente atuante, quanto de 2002 para cá.
As amarras que aprisionam as melhorias sociais são justamente os recursos assistencialistas que induzem ostensivamente a perpetuação da carência intelectual e do flagelamento democrático.
Afinal, o governo federal com a mão supostamente esquerda oferece a caridade e com a mão menos suposta direita retira sistematicamente os direitos mais que básicos com os quais qualquer cidadão brasileiro poderia alcançar dignidade e cidadania.
Instituiu-se o individualismo, o oportunismo, a cara de pau.
Fizemos nascer as celebridades políticas, travestindo as velhas práticas e dando a elas expressão cênica e palco definido e permitindo que cada uma delas criasse seu próprio personagem.
Somos um povo dócil, alegre e musical, mas de tempos para cá, também somos um povo desesperançado, não enxergando qualquer solução que reverta este quadro melancólico ao ponto de simplesmente sequer crermos que eles ainda existam, além de transformá-los em mitos de épocas ingênuas e remotas, como se patriotismo, consciência política, civilidade e amor próprio tivessem data de encerramento.
Fomos permitindo que o medo que nos foi imposto através das espadas afiadas de uma implacável ditadura militar nos conduzisse à apatia que nos faz silenciar frente aos abusos constantes, sufocantes e afrontosos de uma ditadura civil, antimoral, decência e bons costumes, onde cada cidadão iludido com a mansidão e com o ouro dos tolos, sem sequer percebe que a espada continua afiada, ceifando a mesma democracia, que nem eu e nem você sabemos exatamente o que significa. Será este o grande responsável?

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