Hoje, de um
instante para o outro, percebi assustada o quanto me tem sido aviltante,
conviver a também cada instante com a crescente inversão dos valores éticos e
morais que deveriam ser os pilares intocáveis quanto ao determinante das
relações humanas.
Por que
estou vivendo tanto, por que não me fui quando ainda podia acreditar nas
pessoas, nas instituições?
Por que
tenho que presenciar e conviver com os absurdos das diferenças, com as maldades
explicitas e ainda ter que fingir como os demais que tudo está bem e que,
certamente, melhorará ainda mais, quando não há qualquer sinalização neste
sentido, quando o mundo se dobra às futilidades, às guerras comunitárias e ao
abandono?
Escapei da
era dos bárbaros, das epidemias, do Holocausto, escapei da fome, da miséria e
das desgraças, justo para vir presenciar o retrocesso e a derrocada de uma
humanidade que jamais se firmou em suas potencialidades e grandezas.
Olho ao meu
redor e só consigo enxergar mentiras, interesses e crueldades. Como posso me
calar diante deste quadro feio e corrosivo?
Como tirar
vantagens deste fétido momento, onde posso sentir os malfeitos e os desalinhos
praticados a cada instante?
Que evolução
é esta que nos aprisiona a comportamentos de concordância, frente às afrontas
de um cotidiano a cada dia mais desumano?
Senhor, onde
estais que não punes e tão pouco fazes parar esse caudaloso rio de injustiças
sociais, permitindo que somente aos pequenos, fracos e oprimidos, recaia a
indiferença, a fome e a miséria?
Quais os
critérios que estabelecestes na escolha das pessoas que tanto sofrem?
Que pai és
tú que se permite o silêncio diante de tão inominável injustiça?
Que exemplo
tens sido para aqueles que, como eu, decidistes dar o dom do raciocínio lógico
em prol de um bem comum, tão arduamente perseguido?
Não sinto
culpa por falar-te com tanta franqueza e tão pouco receio qualquer punição,
porque me deste o poder do raciocínio, a boca e da língua afiada e ainda por
cima me deste a bendita dignidade que tantas vezes me amparou, inspirou e
protegeu e, certamente, também me vale de, pelo menos contigo, poder ser
franca, sem rodeios ou firulas, e mais ainda do que isto poder te chamar de
pai, talvez com muitas ressalvas, mas ainda te amando.
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