Pensar a
respeito dos malefícios que a ditadura militar trouxe aos direitos de todos
nós, cujas metástases nos acompanham até os dias atuais, é justo o que me
faz compreender esta paixão tolerante que imprimimos ao mau-caratismo que
explicitamente vai se desenvolvendo no decorrer das pré-candidaturas.
Chegam às
raias do engraçado os pseudos segredos, que todos, pelas ruas e esquinas,
ficam sabendo. O falso segredo das negociações, os critérios hipócritas que são
utilizados na tentativa de se camuflar a ânsia pelo poder, os disfarces
sorrateiros, os encontros em surdina, os pactos semelhantes aos feitos com o
diabo, onde tudo é permitido, onde a censura é abafada.
Pensando
bem, o melhor de cada eleição são os meandros engendrados, as intrigas, os cochichos,
as dúvidas, as traições, os golpes, as artimanhas, os casos e os acasos, as
perdas e os ganhos de cada etapa que, se bem observados, são como gozos
orgásticos quando bem apreciados, porque afinal, nesta época que antecede a
estreia da temporada do grande circo político, os envolvidos se sentem
livres e tudo acaba podendo ser feito ou pensado, porque enfim é época da
“política”, onde verdadeiramente ninguém respeita ninguém e nesta arena de
lobos e coiotes o mais esperto, criativo e ardiloso desponta algumas vezes da
obscuridade, se revelando nos palanques a olhos nus.
Aparentemente,
da noite para o dia, todos os envolvidos se tornam estranhos e desconfiados,
apagando-se, como na mágica, jornadas passadas de outros companheirismos.
Mudam-se
projetos e afinidades, mudam-se caráteres com facilidade.
Ah! É muito
bom, viver a democracia, mesmo quando capenga, pobre e arredia.
É viciante
absorver o ópio político que antecede cada eleição, levando os dependentes,
como eu, ao frenesi das conjecturas e deduções das armações que, Deus!, são
ilimitadas nas mentes, interesses e emoções dos candidatos.
Inimigos se tornam amigos, desafetos se reconciliam, amantes apaixonados se separam, amores profundos se traem.
Esta delícia
de orgasmo continuado vai se processando lento, progressivo e silenciosamente
dentro do emocional de todos nós, sem que possamos verdadeiramente controlar os
impulsos que nos direcionam, ora a participar, ora a, simplesmente, apreciar
este bailado de atos e emoções.
Comparo as
pré e as candidaturas ao frenesi que nos domina frente a uma nova conquista, seja
ela qual for, mas em se tratando de conquista amorosa, somos todos arteiramente
camuflados, tal qual o mais primário ou sábio político, revestindo-nos de
pseudos atributos, disfarces e matreirices que deixamos às vezes cair por
terra, mais rápido do que o devido, tão logo fisguemos o objetivo.
O bom e,
repito, o orgástico, é o antes que se reveste de expectativas e que se
consolida nos palanques, onde as máscaras são ostentadas sem pudores e
vergonhas, onde vence o que melhor convence.
Nesta etapa
do processo eleitoral, tornamo-nos fãs, como na tv, teatro ou cinema, batemos
palmas, cantamos e, cá pra nós, até nos emocionamos, esquecendo por momentos
que aquilo lá é um palco, eles, os atores, e nós, o necessário público.
A diferença
entre o prático e o ilusório é justamente a hora do intervalo, que na política
se estende por longos e dolorosos quatro anos, onde nos obrigamos a conter as
dores da decepção que fatalmente somos acometidos, frente à realidade que se
descortina e que empana, sufoca e decepciona, deixando um certo vazio, mesmo
quando, como velhos expectadores decoramos as falas, pois já assistimos
inúmeras vezes a peça e, portanto, prevemos o final.
E aí penso
que o pior das ditaduras é justo tirar de nós, todo este espetáculo, todo este
suspense, esse farfalhar de emoções que reabastece sonhos, amplia horizontes e
que de uma forma ou de outra, ilumina os salões do cotidiano, nos fazendo crer
que entre o Deus e o Diabo das negociações políticas, há sempre um povo
carente, mas esperançoso, aplaudindo ou vaiando, mas, acima de tudo, sentindo tudo
e muito mais, até mesmo tolerando os tolos, os abusados e os mentirosos.
Viva então a
democracia, mesmo que fajuta, mesmo quando capenga, pobre e arredia!
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