quinta-feira, 25 de abril de 2024

UM ALGUÉM...

Abri a janela como de costume em meus amanheceres e ela, a vida lá e cá estava nascendo transfigurada em um novo dia, meio cinzenta, meio chuvosa, meio friozinho, mas com certeza, totalmente perfumada, estimulando-me um respirar profundo e a me sentir um alguém por inteiro, tal qual, quando ainda criança, parada diante da janela de meu quarto, apreciando o nascer de um novo dia ouvi minha mãe, chamando-me ao pé da escada do primeiro andar para que me apressasse para tomar café, afim de que eu não chegasse atrasada na escola... 

Já não tenho escola para ir ou levar algum filho, já não preciso correr para nenhum trabalho, já não tenho marido para dividir o café da manhã que, neste momento beberico lentamente, enquanto escrevo e penso que de repente, já não tenho obrigação nenhuma, além de apenas viver e esta constatação ao invés de me agoniar, me leva a sorrir diante do aparente vazio, repleto de opções que só dependem e mim, quere-los ou não...


-Mamãe, por que tenho que ir todos os dias pra escola?

-Ora menina, para um dia se tornar alguém...

-E agora o que sou?

-Uma menina curiosa que pergunta demais...

Pois é...

O tempo passou e eu não consegui esquecer que precisava me tornar alguém, tanto quanto, questionei esta absurda intenção amorosa que desqualifica sem qualquer razão lógica, a existência humana em sua mais tenra estruturação.

Melhor e mais apropriado seria dizer-me que, indo à escola, iria adquirir conhecimentos que nada e ninguém, seria capaz de tirar-me, porque, afinal, alguém eu já era desde o seu ventre.

E aí, seguindo os atavismos retóricos, levavam-se as crianças a uma desconsideração pessoal que a acompanhará por toda a sua vida, fazendo-a crer que, se não se tornar e consequentemente, poder adquirir isto ou aquilo, jamais será um alguém, soterrando ainda no florescer de uma vida, toda a mais pura autoestima que, certamente, a faria reconhecer-se a cada instante, tornando-a uma pessoa lúcida e consciente do que representa pra si e para o mundo em geral, ao contrário de enquadrá-la num negativismo vivencial, onde a insegurança, fara dela sempre uma pessoa tentando se afirmar, muitas vezes em situações que contrariam seus reais valores, desejos e perspectivas de apenas, se sentir uma pessoa e não mais um figurante de uma peça teatral de gosto duvidoso para si.

Bom dia para você, lindo alguém sempre muito especial para mim, com um beijo repleto da liberdade que adquiri, jogando sem tréguas ao vento, todas as tolices que fatalmente me foram impostas e que, na ignorância repassei durante um bom tempo aos meus filhos, esquecendo-me de que ser alguém é antes de tudo, se reconhecer como parte integrante e vibrante deste gigantismo que é a vida.

Regina Carvalho- 25.04.2024 Itaparica

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